quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

À Espreita


"Pago meus impostos e é isso que recebo? Meu pai sai para comprar uma coca-cola, recebe um tiro no peito e vai ficar por isso mesmo? E agora? O que o Estado tem para me dizer? O que vai ser da minha família? O que é isso meu Deus?!".

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A frase acima (publicada no http://www.pebodycount.com.br/) foi dita por Edielson, que teve seu pai assassinado no último dia 24, em Olinda, quando comprava um refrigerante em uma barraca – dois marginais se aproximaram e mataram dois jovens que bebiam no local, acertando-o também. A frase, dita num momento de desespero, reflete a indignação do cidadão frente à criminalidade, especialmente nesse processo de banalização da violência que estamos vivenciando. Nesse sentido, vale postar um conto inédito que escrevi (e que será publicado num dos próximos livros que lançarei), de igual título ao desse post...

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A moto se aproxima. A mulher pressente o pior. A rua escura – caminho obrigatório no roteiro para casa – está vazia. A solitude da jovem senhora fora quebrada pelo motoqueiro contumaz.

Vinte e duas horas, marca o relógio. Agora, poucos metros dividem os passantes. O encontro parece predestinado. A mulher só pensa nos dois filhos e na ânsia de chegar em casa. Como ela queria ter o marido ao seu lado naquele instante! Mas não era hora para esses tipos de inesperados quereres. Restava-lhe contar com a sorte – já que a fé lhe andava faltando.

Os segundos se seguem e a distância entre a mulher e o motoqueiro é mínima. O barulho do motor, já muito próximo, comprova isso. Uma breve olhada e a mulher encara o motociclista, visor entreaberto e olhar fixo. Não há mais tempo para nada. A moto desacelera até parar e o brilho do revólver surge imponente, antecedendo o estrondo final, que sacode a vítima calçada abaixo. A bolsa e o celular, então largados ao relento, ganham novo dono. A fuga em duas rodas é ágil e providencial para o algoz. Não há mais tempo. Nem vida no corpo jogado ao chão.

A poucos metros de distância, um homem observa tudo de uma janela. Em silêncio, fecha a cortina, desliga a televisão e decide se recolher. Os segundos não cessam. A vida segue. E o medo continua... À espreita...