quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Fim de Ano, Falsa Paz

“Para resolver o mistério da vida, devemos renascer todos os dias”.
(Paramahansa Yogananda)


A ideia de marcar o tempo com um esquema de calendário foi uma das mais geniais de todos os tempos. Afora o seu sentido científico, traz simbolicamente uma fiel sensação de renovação. Fechamento de um ciclo atrelado a abertura de outro. Enfim, momento anual para refletir e planejar novos rumos.

Socialmente, deturpamos tudo. Primeiro por utilizar o período do final do ano para alimentar nossa ânsia por superficialidade – predomínio absoluto de presentes, comidas, bebidas, festas etc. Segundo, pelo tênue sentimento de fraternidade, simbolizado pelo quase nunca lembrado (exceto pelo feriado) Dia da Fraternidade Universal (1º de janeiro). Também, por fomentar uma falsa sensação de paz.

Falsa. Paz superficial e limitada a um curtíssimo período de tempo. Falsa. Muitas vezes regada a tapinha nas costas e a risinhos nada verdadeiros. Falsa. Paz que nada tem a ver com o seu conceito mais puro, o de proporcionar harmonia, equilíbrio e entendimento pleno e duradouro.

E se por um lado a energia do planeta abranda pelas boas (e infelizmente) temporárias vibrações de “paz e amor”, por outro renovamos ano a ano a nossa incapacidade de sermos pacificadores e amorosos nos outros dias do ano.

Já que o Natal passou (e chegou novamente travestido – onde um personagem fictício recebeu os holofotes em detrimento de um mestre que por aqui passou e cuja data simbolizou a sua chegada a este mundo, há mais de dois mil anos), desejo um ano novo realmente NOVO a todos, cuja SENSAÇÃO de paz se transforme num SENTIMENTO de paz. Que os desejos verbalizados por saúde, felicidade, paz, amor e harmonia gerem uma consciência coletiva duradoura, para que 2012 – e todos os anos que virão – seja realmente repleto de saúde, felicidade, paz, amor e harmonia.

Renovação é bênção. Renovemo-nos, então...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Sobre Pessoas e Animais

“Nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo”. (Gandhi)



Por que o espanto?

O homossexualismo sempre existiu. A comunicação com os mortos sempre existiu. Os maus tratos a crianças e idosos sempre existiu. A pedofilia sempre existiu. Os maus tratos aos animais, idem. Crenças, modos de vida e desequilíbrios sempre fizeram parte do dia-a-dia humano. A diferença está no acesso às atitudes humanas, agora tão fáceis e antes tão bem camufladas – seja por questões de crença ou comportamento.

A violência contra os animais é a bola da vez. Pessoas ignorantes recebem a ira popular nas ruas e nas redes sociais, por conta de atitudes violentas e irracionais contra bichos de estimação. Coisa pra revoltar qualquer cidadão de bem, é verdade. Mas será que somos todos tão inocentes assim, a ponto de acusar tão veementemente?

É preciso ampliar o foco. Numa sociedade onde se consome inúmeros produtos com origem animal, provenientes das mais terríveis e violentas formas de abate, a relação entre o ser humano e os animais deveria ser repensada. Somos coniventes com o genocídio animal – quer para fins de alimentação, quer para testes de laboratório, quer ainda para satisfação dos mais variados desejos instintivos.

Ver um pequeno cão ser morto por uma “dona” cruel é horrível, mas cada um deveria fazer uma visita a um matadouro para assistir o abate de um boi. Ou a um aviário para ver como são tratadas e abatidas as aves que vão parar na sua mesa. Aliás, nem precisa tanto, basta procurar por vídeos sobre o assunto (em meio a tanto lixo promovido por milhões de acessos, sim, há coisas de valor a se pesquisar na web).

Só mata quem não dá valor à vida. E fomos criados, de um modo geral, acreditando que matar um animal para satisfazer seu desejo por sabor é correto. Uma pessoa que mata um animal para satisfazer sua raiva, segue princípio semelhante. É preciso rever certos conceitos. Muita coisa precisa ser corrigida.

Revoltemo-nos, sempre, com os desmandos humanos contra o reino animal e exijamos justiça. Contudo, não nos esqueçamos de cobrar a nós mesmos uma postura de real comprometimento com a causa animal. Afinal, não há como negar que, indiretamente, nós apoiamos a crueldade contra os animais dia após dia.

Por que o espanto?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Pequenas Divagações Sobre o Oráculo Recluso



Tem dias que corro contra mim. Morro. Renasço. Continuo. Persisto. Hoje mesmo acordei torto. Pênsil sobre mim. Penso então em mim. Por que tudo está assim?

Eu e tu somos. Depositamos grande parte de nós em outrem. Fundimo-nos e esquecemo-nos às vezes que somos um. Sim. Somos um. Estamos em todos e tudo está em nós. Mas somos um. Únicos. Mágicos em potencial. Unos.

Compaixão. Compreensão. Perdão. Aqui se recebe, ali se perdoa, acolá se é perdoado. Onde está a perfeição? Em todo canto do universo. Em mim. Em ti. Galgamos até lá. Passo em passo. Rastro íngreme. Exato. Tudo vai. Volta. Permeia, atinge e refaz.

Semear. Sem dó. Dar. Esquecer o que divide. Pensar no que se há. Vida curta, eternidade invisível. É preciso lutar. Por mim. Por nós. Pelo lar. Casa. Terra. Universo. Versos libertos pelo oráculo recluso de além-mar.

A luta permanece. Contra mim. Mortes e renascimentos. Continuidades e persistências. Vida em sono torto. Alerta pênsil. Pensamento isento. Somos um...

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Espelho de Mim



Um foco aceso e desfocado,
Retalhos de luz e sombra,
Complexo de partes antagônicas,
Conjunto inteiro e fracionado.

Um portal com interna dimensão,
Silhueta de traços indefinidos,
Porção inteira de antagonismos,
Raios dispersos em coesão.

Meu inverso refletido,
Minha história num segundo,
Um “eu” nu espelhando o mundo.

Meu reflexo, imagem sem fim,
Minha imagem, reflexo de mim,
Meu espelho, meu tudo.


(Poesia publicada no meu primeiro livro, “O Que Importa é o Caminho”, 2004)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Passo (Parte 2)



Passo pela estrada e caminho apressado. Um dia me canso de andar e mando tudo pro espaço! Se pra viver é uma caminhada, pra morrer é só um passo!

Vá bem...

Como rei, chegarei, escasso, de passo em passo, até o paço que me caiba. Minhas passadas conduzir-me-ão. Ah! Se não!

sábado, 3 de dezembro de 2011

Passo (Parte 1)


Cada passo dado é um novo passo rumo ao desconhecido. E a vida vai passando. E os passos vão persistindo. Eis que um dia restarão somente pegadas, rastros das firmes passadas de outrora, tão somente restos vividos.

Passo cada minuto envolvido em pegadas. Piso. Rastejo. Corro. Caio. Levanto. Persisto. Eis que um dia não restarão somente pegadas. Terei sido eu construindo a mim mesmo, deixando rastro pela estrada.

Tudo passa. Passamos horas vagando, aqui, acolá. Desperdiçamos passadas como se pudéssemos nos bastar. Mas tudo realmente passa. Até mesmo os passos nos bastarão. Mas a caminhada há de continuar...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Homem Velho que Sou

Foto: Arnaldo Carvalho

Às vezes
Sinto-me tão senil,
Um homem velho,
De velhas idades,
Idades estas vividas
Num curto ciclo juvenil.

Talvez seja a vida
Impondo-me seu relógio veloz,
Com ponteiros ousados,
Sincronizados com um tempo finito.

Talvez seja eu mesmo,
Impaciente, audaz,
Burlando meu chegar paulatino
Com passadas apressadas.

E esses “talvez”, agora,
Sequer interessam mais,
Pois vejo que tão somente sou
Como qualquer outro,
Velha alma, jovem corpo,
Ser longínquo sem idade...

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Todos Eles Vivem em Mim...



Nada de finados
A morte não é o fim
Penso cá dentro de mim
E lembro o meu irmão caçula Saulo
Minha avó Dôra
Meu avô paterno Luiz
O saudoso tio Paulo
Aretusa, Artoni, Mário
O estimado tio Ary
Adriana, Hélder, Branta
Meu avô materno Amarílio
Elias, Penha, Seu Zé, Geni
Luluca, Dida, Maria Eduarda
Tio Ivan, tio Lio e o amigo Sissi
Bisavós Coleta e Nina
Zeca, Paúca, Dodô, Maurílio
Inaldo, Fanca, Erisson, Dona Bibi
Estes, assim como tantos outros
Não estão mais por aqui
Mas finados nunca foram
Vivem e a eles louvo
Todos eles vivem em mim...

domingo, 30 de outubro de 2011

Sem fronteiras


Voei...
Além da mente...

Aqui chegamos sem pagar nada.
Aqui todos se apossaram de tudo.
Aqui respiramos de graça.
Aqui compartilhamos vidas e graças.
Aqui segmentamos o mundo.

Voei...
Além da mente...

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

É? Não é?



Ilusão é presente. De grego.

Ponteiro de relógio é digital. Dígito é gente. Gente hoje é animal. Pra hoje é pra ontem. Chão agora é disputa. Policial, bandido. Casal é separação. Casa virou prédio. Cama virou zona. Vida virou dor.

Homossexualismo é moda. Lixo hospitalar é roupa. Caixa eletrônico é dinamite. Flanelinha é dono de rua. Honestidade, artigo de luxo. Sexo é coisa de “criança”. Bala não é mais doce. Droga não é mais remédio. Tudo aqui é ilusão.

Ilusão é presente. De grego.


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E NÃO ESQUEÇA: SÁB | 22/10 | 19h
Sidney Nicéas e convidados na Saraiva do Shopping Recife!



domingo, 16 de outubro de 2011

Miséria



Encanto. Essa foi a palavra que melhor resumiu o primeiro encontro de Cibele e Jair, na bela Aracaju. E o alagoano não mediu esforços para se fazer muito mais do que era para a carente sergipana.

Poucos dias se passaram. Primeiro, os beijos. Depois os amassos. A cama acabou sendo destino inevitável – e porque não dizer, inconsequente: a gravidez foi uma notícia nada agradável para ela, que aos 32 anos tornar-se-ia mãe de única cria, vivente num aperto daqueles. Para ele a aventura ia continuar, passando a ser talvez a maior nos seus 18 anos de vida, ainda que o dinheiro também lhe fosse curto.

Não tardou para que as brigas começassem. Primeiro sintoma de desequilíbrio, elas refletiam a contraditória união de necessidade e imaturidade, combinação nada feliz naquele contexto amoroso. O fogo da paixão que os arrebatara fora cedendo com o tempo, ante as diferenças outrora ignoradas. A relação, assim, foi-se amiudando e se espremendo entre aqueles corações desgovernados.

De crise em crise, o pequeno Lucas nasceu já sem pai. Jair nunca mais deu as caras. Sem emprego, dinheiro nem apoio, Cibele passou a pedir nas ruas, levando consigo seu bebê. Sentiram fome. Dor. Abandono. E o passar do tempo a fez sucumbir...


Quem vai julgar uma mãe que dá o próprio filho? Quem vai acusar uma mulher que tira a própria vida? Quem, em seu lugar, não se entregaria à miséria? Quem???

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Efeito Estufa


O mundo estava um caos. Desordem reinante espelhada no tráfego intenso, engarrafado, sufocante. O termômetro, no imenso painel eletrônico localizado numa das esquinas, revelava trinta e sete graus. O calor só aumentava a sensação de agonia.

A longa avenida, que cortava casas e prédios, parecia um mar de carros. Ao longe se percebia um vapor que subia do solo e causava sensações de inquietação. Era um caldeirão fervente que em nada agradava a quem ali se encontrava. O vento, escasso, decidiu também parar e o clima foi ficando ainda mais insípido. Até as árvores, acostumadas a bailar em público, se renderam ao destempero do momento.

Alguém, então, decidiu utilizar a buzina como ferramenta de pressão sonora. E o barulho, que já era grande, ficou insuportável devido a participação de vários outros motoristas, que passaram a reger uma orquestra infernal. O que estava lento passou a ficar definitivamente emperrado. Uma multidão de veículos ligados, a poluir o ar e os ouvidos dos transeuntes, abrigando gente estressada e fatigada sob um sol escaldante.

Nos escritórios e lojas, que dividiam espaço com as residências no imenso logradouro, o caos se espalhou: uma pane na energia elétrica fez com que os funcionários saíssem de seus postos. Toda a região ficou sem energia e o engarrafamento ganhou novos adeptos, pelo menos no que tangia ao fomento da conturbação. Nesse ínterim, a temperatura subiu para quarenta graus e o calor se intensificou com rara astúcia. E havia quem dissesse que o clima na avenida era ainda maior.

A agitação ganhou intensidade quando alguém decidiu descer do carro. Entre esbravejos e gestos incontidos, logo a atitude solitária foi ganhando simpatizantes. Além do engarrafamento, do calor, das buzinas e da poluição, agora todos se deleitavam também com o burburinho, que começou a gerar discussões. Palavrões foram proferidos. A educação tomou distância e um tumulto isolado ajudou a amplificar a desordem.

Nas calçadas, um público cada vez maior acompanhava o desarrumo. Mais que isso, muitos passaram a compartilhar daquele sentimento de revolta, insatisfação plena por somente estar ali. E um ambiente negativo, progressivamente, passou a predominar, ocasionando confrontos verbais acirrados que não tardaram em materializar-se em isolados atos de pancadaria. Cada um que quisesse resolver as coisas da própria maneira, sem perceber que em nada aquele quadro se modificava.

No auge do esperdício humano, um vento frio soprou com intensidade. A rajada invadiu toda a área e produziu de imediato um inesperado processo de inanição. Quem brigando estava parou; quem discutia perdeu a fala; quem acionava a buzinava viu a força se esvair; e todos se entreolharam, naquelas frações de segundos, com uma profunda sensação de estranheza, um medo instintivo do pior.

Mas o vento logo cessou. O tempo também. Todos permaneceram imóveis, sem reação ante aquele incomum deslocamento de ar. O calor persistiu, impetuoso. No céu, um bando de pássaros cruzou o azul em direção ao norte. As pessoas, emudecidas, retornaram aos seus carros, casas e empresas, encerrando o caos de forma também imprevisível. O misterioso sopro do desconhecido agiu com destreza. E o trânsito, enfim, foi se desfazendo aos poucos...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Implacável



Ela abriu a porta
E foi embora.
Varreu em segundos
A minha vida.
Quebrou. Estremeceu. Zuniu.

Destelhou meu teto
E se foi.
Demoliu em segundos
As minhas pilastras.
Amaldiçoou. Triturou. Sumiu.

Ainda despedaçou meu chão
E partiu.
Dilacerou em segundos
As minhas estradas.
Correu. Pisoteou. Fugiu.

Ela...
Ventania...

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Entre o Nascer e o Morrer

“Gostaria de dizer-vos mil coisas que compreendo, estando à porta da eternidade, mas eu não morro, entro na vida, e tudo o que não vos posso dizer neste mundo, far-vos-ei compreender do alto dos céus...”. (Santa Teresinha)



Nascimento e morte são as únicas certezas da vida. Pessoas chegam, pessoas vão. Chegadas e partidas controladas pelas mãos invisíveis do infinito. E esse ir e vir realça a efemeridade da vida humana nesse planeta chamado Terra.

A certeza na imortalidade da alma é contraponto ante ao estado ilusório da matéria. A vida terrena é, sim, uma ilusão. Estamos de passagem. Aqui chegamos e, daqui, voltamos pra casa, para a verdadeira vida. A ilusão da matéria causa cegueira, travestindo a real percepção de que somos espírito, alma – e não um frágil e destrutível corpo de carne.

Enquanto vivos, somos ludibriados pelos sentidos. As sensações são o estado supremo da ilusão. Prazer e dor envolvem o ser humano como se fossem reais. E não são. O mestre indiano Paramahansa Yogananda costumava se referir à vida humana como um “filme cósmico”. Aqui chegamos como atores para interpretar papéis dos mais diversos, até que encontramos Deus, o grande Diretor – e Ele não está em outro lugar senão dentro de cada ser.

O equilíbrio, assim, é a meta. Ser comedido nos momentos de alegria e de tristeza é receita infalível ante a ilusão sensorial. Vida e Morte não existem. Apenas somos. E nos momentos mais difíceis é que precisamos dessa compreensão.

Entre o nascer e o morrer há o tempo. Coisa nossa. Passageira, mas que nos proporciona a ideia de que é preciso, sim, crescer. Ser mais. Evoluir. Amar. A saudade dos que ‘voltaram pra casa’ torna-se, então, algo saudável ante a certeza da vida eterna – e do reencontro.

Esse texto é dedicado a todos aqueles que passam por situações difíceis em todos os rincões do mundo. É, também, mais uma tentativa pessoal de absorver essa filosofia tão real e ainda tão difícil. É, acima de tudo, a minha sincera homenagem à família Nicéas pela tragédia acontecida nesse final de semana em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Que Deus nos abençoe, hoje e sempre...


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“Para cada um virá um tempo em que perceberá que todo o universo foi um sonho: quando descobrirmos que a alma é infinitamente melhor do que o que a cerca. É apenas uma questão de tempo, e o tempo nada é diante do infinito”. (Shirdi Sai Baba)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

'Os Donos da Rua' Novamente em Foco

Imagem: RICARDO
FERNANDES/DP/D.A PRESS

A atuação de flanelinhas nas ruas do Recife foi assunto aqui no Blog, em 05 de junho de 2009 (leia: "Os Donos da Rua" - Especial Trânsito - Parte 1). Agora, virou foco das autoridades. Foi preciso uma prisão e uma polêmica na mídia para que as autoridades enxergassem o que todo mundo sempre viu.

A prisão do flanelinha Fabrício de Souza (foto), 21 anos, essa semana no Recife Antigo, foi oportuna para trazer à tona o assunto (ainda que represente de certa forma uma distorção, já que não existem indícios seguros da pretensa extorsão, nem ficaram esclarecidos os possíveis excessos do policial - e também levantou aquela questão de que somente "pretos e pobres" vão pra cadeia). Agora estão querendo normatizar essa atuação. Agora "descobriram" que alguns agentes de trânsito "comem toco". Agora todos decidiram tomar uma atitude - bom, antes tarde do que nunca.

Nos sites que trataram do assunto durante a semana, a maioria esmagadora dos comentários apoiavam a prisão de Fabrício. Em sua grande maioria, pessoas com melhor poder aquisitivo e que desconhecem a realidade das ruas. O flanelinha pode, sim, ter agido mal. Mas quem garante que o policial que o abordou também não passou dos limites? E a situação social do rapaz? E a família dele? Prendê-lo dessa forma resolverá a questão?

Conheço alguns flanelinhas que são íntegros. Não ameaçam. Não extorquem. Ganham a vida de modo limpo. Já tive o desprazer de topar com outros que são exatamente o contrário - basta tentar estacionar no entorno da Rua das Pernambucanas, no Bairro das Graças, para ter um exemplo evidente disso (em dias de grandes eventos na cidade, então, nem se fala).

Há um imenso abismo social por trás de tais questões e uma necessidade premente de corrigir as distorções vigentes. É preciso abandonar os esteriótipos e se aprofundar nas questões mais delicadas da nossa sociedade, se é que queremos transformar a realidade que nos cerca. Esse deve ser o foco.

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EM TEMPO: na tarde de hoje, o flanelinha Fabrício de Souza teve sua prisão relaxada. Ele está solto. Mas as questões continuam...

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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

João, Parauapebas e Suzete


João é um cara arretado. Recifense nascido no Morro, negro, pobre, filho de uma honrada empregada doméstica, cheio de irmãos e um coração daqueles, enorme, refletido num sorriso que lhe é peculiar. Homem de caráter reto, está crescendo na vida através do estudo e do esforço no caminho da honestidade.

Parauapebas é uma pequena cidade do Pará, localizada há 700 quilômetros da capital Belém. O local tem recebido uma massa de trabalhadores oriunda de várias regiões, atraída pela oferta de emprego. São grandes empresas explorando o rico solo da região, fazendo crescer as oportunidades e, principalmente, os próprios lucros.

João chegou a Parauapebas por vias profissionais. Após obter bom desempenho numa multinacional – que o levou inicialmente ao sul do país –, foi transferido para a cidade paraense a fim de atrair novas possibilidades para a empresa. Ele não precisava tanto de Parauapebas, mas ela, sim, precisava muito dele. E foi numa noite de lua nova que ele descobriu isso.

- O mundo é do dinheiro, o senhor sabe.

Falou mansamente o Sr. Antônio, que bateu à sua porta por volta das 19 horas.

- Não entendi, Seu Antônio.

- Tá vendo aquela moça ali, Seu João? É Suzete, minha filha. Tem só 17 aninhos e já sabe o que quer da vida.

João permaneceu a ouvir. Seu Antônio continuou.

- A gente pode fazer negócio, doutor. A filha é minha, mas eu posso dar ela pro senhor. A gente negocia dois salários por mês, coisa e tal, e ela pode se casar com o senhor ou sei lá mais o quê...

O sorriso, que sempre foi uma constante, desapareceu do rosto daquele nobre cidadão. A realidade se confundiu na sua cabeça e o olhar para a bela morena o fez reagir.

- O senhor pára logo por aí. Não pense que eu sou como muitos dos canalhas que chegam aqui para explorar vocês. O senhor não tem vergonha de ‘vender’ a sua filha não? Pois bem! Acho melhor o senhor sair já daqui!

Seu Antônio emudeceu. Estranhando a atitude “daquele negrinho metido a besta”, deu as costas e se foi, levando com ele a filha e um pedaço da esperança que sempre foi vivente no agora decepcionado homem.

A história de João se cruzou com a de Suzete numa pequena cidade do Pará. A realidade é mesmo dura. Parauapebas poderia ter acordado no dia seguinte com mais uma ocorrência de descaso familiar. Mas João é mesmo um cara arretado. E Parauapebas continua precisando muito dele.


* Essa é uma história verídica, cujos nomes foram modificados. Uma triste realidade em várias cidades brasileiras...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Fabuloso Diálogo Entre a Senhorita Liberdade e o Senhor das Palavras


Era uma manhã sombria. O mundo fervia há milênios...

Foi quando um fenômeno inédito rasgou os cinzentos céus do planeta Terra. Uma fenda iluminada se abriu. Imagem extasiante, mas que passou incólume a toda cega humanidade. Bom, a quase toda ela, pois eu, sim, a tudo vi. Foi como se o tempo tivesse cedido a tão extraordinário fato. E enquanto olhava àquilo tudo impressionado, percebi então o fabuloso diálogo...

- Senhorita Liberdade, sou o Senhor das Palavras! Aquele que sempre tenta bailar junto a ti, na ânsia de descrever-te. Mas... Como definir-te? Sigo unindo letras, a tentar decifrar-te. Donde vens? Quem és? Como chegaste até aqui?

- Sou a Senhorita Liberdade, como bem disseste. O que queres tu de mim? Deixas-me bailar! Não me venhas tolher com tuas vãs divagações gramaticais!

- Palavras sou. Palavras escrevo. Palavras que se soltam de mim. Palavras que se perdem no afã de saber apenas quem és.

- És hábil com elas, reconheço. Contudo, cuidado! Sabes mesmo utilizá-las até mim?

- Sim! Sou o Senhor das Palavras! Aquele que busca a redação. Eu, que me encontrava um tanto dicionário. Eu, que não esperava encontrar-te assim, tão visível em mim. Palavras vêm e vão. Preciso de ti para seguir adiante! Em que página estamos?

- Nas páginas do incontido, Senhor! Em mim nada se aprisiona. No éter do espaço imensurável vivo, provocando apenas os ousados seres que acabam por me enxergar ante tanta cegueira. Senhor das Palavras, podes ser perigoso! Palavras livres, livres palavras... Quem te segura?

- Nunca dancei. E agora me pego a bailar contigo. Liberdade e palavras, nós, tão distantes e tão próximos, ora escritos, ora verbais, ainda incógnitos. Como poderei definir-te se jamais a tive?

- Palavras são cegas. Os homens também. Permeio a tudo e ainda assim tão ignorada sou. Cuidado com as tuas palavras, Senhor! Muito mal já se foi feito com elas!

- Liberdade... Quem te alcança???

O diálogo se encerrou. A fenda se fechou. O céu novamente descoloriu. O tempo retomou seu lugar, implacável. A cegueira humana persistiu. E eis que aqui vos encontrais. Resultados disso tudo. Apalavrados. Prisioneiros das vossas próprias armadilhas. Humanas palavras presas no dicionário da vida.

Quem sou? Chamo-me esperança. E cá estou, livre, mas aprisionado em vossas próprias divagações.

As manhãs permanecem sombrias. O mundo ferve há milênios...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Fraternos


O que é o querer
Senão o desejo de estar perto
De ajudar, doar, servir
De apenas ser?

O que é o amor
Senão o senhor do querer
O objetivo a alcançar
A meta de cada ser?

E o que somos nós
Senão dois em um ser
Querentes, amados, fraternos
Experienciando o viver?

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Homem da Cadeira

(Mais um conto da série "Teoria Sobre o Caos")



O mar estava seco. Mais de meio-dia e o sol continuava vigoroso. Um público até certo ponto pequeno curtia aquele sábado comum.

À minha frente um homem postado estava, face para o mar. Sentado em sua cadeira de praia, ficou adiante dos guarda-sóis, com os pés próximos à água. Um senhor de meia idade, aparentando uns cinquenta e poucos anos, a dividir sua solidão com os despreocupados transeuntes. O que se passava em sua mente?

Ao contrário dos ocultos pensamentos, seu olhar não passava incólume a mim, deixando entrever a avidez da própria mente. E a presença de crianças no local, a brincar na beira da praia, passou a me deixar intrigado quanto aos objetivos daquela desconhecida figura.

Enquanto eu me pegava numa desconfiança inoportuna, passei a ouvir alguns comentários um tanto maliciosos, provindos de duas mulheres que próximas a mim estavam:

- Estranho aquele velho ali, não acha?

- Qual? O homem da cadeira?

- Hum, hum...

- E não é, menina? Desde hoje percebo suas atitudes. Olha a cara de satisfação dele em relação aquelas crianças... Sei não, viu?

- Estou de olho nele!

Tentei mudar o foco. Vi um pequeno bando de pombos pousar na areia, próximo a mim. Distraí-me. E minha abstração só foi interrompida pela lembrança repentina do solitário homem. Meu instintivo olhar colidiu com o dele. Entreolhamo-nos, sem querer, mas mantive-me firme no propósito de encará-lo e, assim, causar intimidação. Entretanto, o dito cidadão ignorou-me sem pestanejar. Foi quando duas garotinhas dele se aproximaram, provocando novos comentários das mesmas mulheres que próximas a mim se encontravam:

- Olha lá: o velho tarado está se insinuando para aquelas meninas, olha!

- Será que ele é parente delas?

- Que nada! E se fosse não faria a menor diferença. São tantos casos de pedofilia dentro do próprio lar, minha filha, que dá até nojo!

- Eita! Agora ele está comprando picolé para elas!

- Ai, meu Deus! Vamos ficar de olho!

Senti-me aflito. Agora, o denominado ‘homem da cadeira’ teria também a mim, definitivamente, em seu encalço. A insegurança que habitava aquelas duas mulheres ganhava em meu ser igual abrigo. Mantive-me, assim, em total alerta.

As garotinhas saborearam o picolé sob fixos olhares do homem. Ele direcionou os olhos aos arredores, deixando entrever a mim a própria insegurança, e pôs uma das meninas no colo. Detive-me em seus gestos comedidos e nas posturas das duas crianças. Os comentários das mulheres se intensificaram, passando inclusive a ganhar novos adeptos. Imediatamente, pensei em abordar o sujeito, afinal, alguém haveria de fazer algo.

Antes que pudesse eu exercer qualquer reação, vi uma moça aproximar-se do homem. Um tanto nervosa, ela gesticulava de forma incontida, revelando aos meus olhos a insatisfação de uma mãe injuriada ante as investidas do homem sobre suas filhas. Não hesitei em ir ao encontro deles. Levantei-me e, sob os atentos olhares das inquietas mulheres que outrora criticavam, abordei-os:

- Algum problema, senhora? – perguntei num firme tom de voz. E antes que ela me respondesse, o homem interveio.

- O que você tem a ver com isso?

- Como é?! Estou lhe observando de longe! Não pense que vai escapar dessa! – falei deixando minha raiva extravasar, quando a moça interrompeu-me incisivamente:

- O que é isso, rapaz! Deixe meu pai em paz!

Fiquei estático. E nesse exato instante, uma mulher vestida de branco se aproximou com uma cadeira de rodas especial. Enquanto ela ajudava o homem a sentar, as duas meninas suplicavam à mãe:

- Não briga com o vô não, mamãe! Foi a gente que pediu pra ele nos trazer pra cá. Fica brava com ele não...

- Está bem... Está bem... Mas não façam mais isso comigo! E isso inclui principalmente você, dona Rose! - falou dirigindo-se à enfermeira. - Vamos, pai. Vamos todos para casa...

O homem passou por mim, empurrado na cadeira de rodas, e dirigiu-me um olhar fulminante. O seu silêncio foi-me mais forte que qualquer outra reação. Desconcertado, recuei atônito. Sentei novamente na minha cadeira, com uma inevitável sensação de mal-estar. As duas mulheres ainda tiveram a ousadia de me perguntar o que havia acontecido. Respondi aborrecido:

- Ora! Lavem suas línguas com sabão!!!

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Reticências

.
A falta da tua presença
Ausência
Incompletude de mim
Eu sem você... sem mim.

O vazio revela
Oco que me diz
Se hoje assim estou
Era sim... feliz.

Perdi-me em ti
Cegueira muda
Surdez inodora
Idiotia... sem fim.

O passado passou
O presente está aqui
O futuro, incerto
Reticências... em mim...


#


E eis que o mundo gira. O tempo passa. E o amor continua sendo confundido. Ao menos ficam as sensações. As letras. Os versos. A poesia... Viva os poetas, então!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Força do Exemplo

“Se cada um trabalhasse seriamente na sua própria perfeição, a perfeição do mundo seguir-se-ia automaticamente”. (Mirra Alfassa)


#


Máscara. Palavra que remete imediatamente à hipocrisia. Seu sentido, contudo, vai muito além. Especialmente nesse reino de máscaras. E a força do exemplo aqui entra com total precisão.

O exemplo é fruto de um árduo esforço interior. Falar, cobrar do outro, criticar... Tudo isso é muito fácil. Difícil é agir com imparcialidade em relação a si próprio. “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, assim, deveria ser lenda.

Trazendo o assunto à atualidade, vemos o exemplo de um político (pois é! Pasmem!). O Deputado Federal José Antônio Reguffe (PDT-DF), alvo de matérias na imprensa por abrir mão de uma série de verbas absurdas que nossos ‘carentes’ deputados usufruem com o nosso suado dinheiro. Deputado mais votado no país nas últimas eleições (proporcionalmente) chegou logo dando exemplo. Ponto pra ele. A notícia não é nova, mas suas atitudes sim. Resta saber se isso tem fundamento moral ou se é mero jogo de cena.

A verdade é que a nossa sociedade carece de bons e sinceros exemplos. Dentro e fora dos lares. A nossa grande máscara sobressai-se à verdade. Os interesses pessoais sobrepujam-se aos coletivos. E assim o nosso reino segue à deriva.

Abaixo as máscaras! Sim à nova ordem!!!

(quem já leu "O Rei, a Sombra e a Máscara" entende o que estou dizendo...)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

{Videoblog} O Caos em Nós

"O tempo destrói tudo aquilo que ele não ajudou a construir". (Emmanuel)

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O trânsito é, talvez, a melhor expressão humana. Nele, todos acabam revelando o que realmente são. O caos é espelho. Acidentes, frutos da imprudência, desatenção ou impaciência. Os conflitos retratam a exteriorização do caldeirão de desequilíbrio que ferve em cada ser. A desarmonia, fruto desse equivocado modo de vida.

Emaranhados em nossa própria incapacidade, combatemo-nos. Externamos toda desarmonia e voracidade que nos compõe. Exteriorizamos nossas ilusões materiais, emocionais, afetivas. Aceleramos. Buzinamos. Invadimos. Desrespeitamos. O caos em nós.

Não bastassem tantos ingredientes, ainda há aqueles que temperam o caos com álcool e outras drogas. E o resultado se resume em uma única palavra: dor.

O vídeo abaixo exprime com maestria tudo isso. Foi uma campanha de final de ano produzida pela TAC - Transport Accident Commission, da Inglaterra. Como se poderá perceber, o efeito foi drasticamente positivo em terras inglesas. E espero que também ajude a conscientizar a quem assisti-lo. Extraordinário...




quinta-feira, 26 de maio de 2011

Crianças Vêem

Quando tinha uns nove anos de idade, meu pai foi me buscar na escola. Chovia torrencialmente. No caminho, vi uma colega de sala caminhando com certa dificuldade por conta do aguaceiro, sob um delicado guarda-chuva. Passei por ela no conforto do veículo. Ela me viu e acenou. Eu sorri e apontei com certo sarcasmo, meio que zombando da situação.

O carro estava rápido. Meu pai percebeu minha reação e me questionou. Ao saber do que se tratava, repreendeu-me. “Por que não me pediu para dar carona a ela? Nunca mais faça isso. Aprenda a ajudar a quem precisa”. Senti-me culpado, mas nunca mais esqueci a lição.

Adultos são falhos. Seres humanos são falhos. Contudo, não há força maior do que o exemplo. Crianças vêem. Espelham-se. Serão adultas. Que exemplo estamos dando a elas?

O vídeo abaixo é uma produção da Children Friendly, da Austrália. Vale a pena assistir...


quinta-feira, 12 de maio de 2011

Uma Crônica Curta

Fim. A morte chega para todos. Não adianta atrasar o relógio, nem reduzir o passo. Adianta, sim, chegar ao fim, como se fosse isso natural – e o é.

Num mundo cada vez mais fast, se morre por falta de food. A desigualdade contrasta em muito com os lucros da deturpada globalização. E ainda que ‘sem fronteiras’, o mundo continua dividido por numerais ordinais.

Fim. Talvez seja essa a morte da coletividade. E nem sequer aprendemos a começar...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Somos Todos Prostitutos?

“Os mortais comuns permitem que suas almas vivam como egos emaranhados na carne, não como reflexo do Espírito ou verdadeira alma”. (Paramahansa Yogananda)


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prostituição (u-i) prostituir + -ção (s. f.)

Ato ou efeito de prostituir; atividade de quem obtém lucro através da oferta de serviços sexuais; vida desregrada de devassidão = libertinagem; o conjunto das pessoas que se prostituem; Profanação; servilismo degradante. (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa)

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Estamos em maio. A Semana Santa passou. O Dia das Mães está aí. E no clima de santidade e de amor materno questiono: somos todos prostitutos?

Num planeta onde a falta de sentido coletivo impera, tirar vantagem tornou-se modo de vida. Ganhar à custa de quem quer que seja. Na política. Na religião. No trânsito. No trabalho. No lar. Não há barreiras.

Exemplo em voga , Osama Bin Laden foi (ou é?) um grande prostituto. Comandando tantos outros movidos por interesses meramente ‘egóicos’. Ficou mundialmente famoso por infligir ousadas e consideráveis baixas aos EUA (que, pela posição de comando no globo, podem ser considerados uma pátria da prostituição) -, irmãos contra irmãos prostituídos pelo equivocado sentido de poder.

Um exemplo dentre outros bilhões que somos. Eu. Você. “Vivendo como egos emaranhados na carne”. Ganhando a qualquer custo – conforto em detrimento da qualidade de vida do planeta, comodidade própria em detrimento do outro, satisfação dos desejos pessoais em detrimento das necessidades do próximo, foco individual em detrimento do coletivo etc.

Entre casamentos reais (e plebeus), corrupção, violência, bebês abandonados e tanto outros absurdos cotidianos - corriqueiros! -, encontro a palavra prostituição como ideal para a nossa vida moderna. Em seu sentido mais amplo. Muito além do meretrício. Sintonizada, também, com essa geração que exercita o sexo como satisfação dos prazeres pessoais, colocando-o acima do amor e do respeito ao semelhante.

É. Estamos em maio. A Semana Santa passou. O Dia das Mães está aí. E no clima de santidade e de amor materno questiono: somos todos prostitutos?

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Um Mundo Fragmentado


A aldeia global já era. Conversa tola de quem sempre quis “ocupar” o planeta. A internet é uma ilusão dessa chamada globalização – um globo, literalmente, virtual.

O ser humano não é coletivo.

O globo terrestre não é unificado.

Vivemos, então, num mundo fragmentado.

É uma lástima perceber, seja em que país for, que os ditos cidadãos não são afeitos a hábitos saudáveis. Nem à comunhão fraterna. Muito menos à consciência coletiva.

O capital reina - pobre. Os interesses econômicos se sobrepõem às reais necessidades. Os prazeres sensoriais dominam cada ser. O “meu” ocupa o lugar do “nosso”.

O mundo sofre. Os animais sangram. Os menos abastados apenas sobrevivem. O meio ambiente sufoca. O planeta definha. E tudo por conta dos tais humanos.

Vivemos, então, num mundo fragmentado.

O globo terrestre não é unificado.

O ser humano não é coletivo.

A aldeia global já era. Conversa tola de quem sempre quis “ocupar” o planeta. A internet é uma ilusão dessa chamada globalização – um globo, literalmente, virtual.

E cá estamos nós. Virtuais...

quinta-feira, 3 de março de 2011

IML


Os longos cabelos louros eram seu maior orgulho. Horas a fio, diariamente, os cuidados com as madeixas pareciam até obsessivos. Cremes, xampus importados, coquetéis capilares, pentes especiais e algumas horas por semana eram gastas num luxuoso salão de beleza da zona sul.

O corpo era tratado como divindade. Excessivas horas de academia garantiam contornos musculosos, bem como olhares fulminantes – e, por que não dizer, muitos elogios. Sobre a delineada musculatura, uma pele aveludada e perfumada aparecia altiva. Centenas de reais eram gastos por mês em cremes e massagens especiais, responsáveis em sua maior parte pela exuberância da tez.

Pêlos no corpo não havia. Duas sessões por semana de depilação e a bela carcaça, lisa, despertava inveja. Sobrancelhas, buço, pernas, virilha, axilas... Nada ficava impune aos processos depilatórios, ‘necessários’ para um visual ‘perfeito’.

Tanto zelo, somente com muitos recursos. A riqueza oriunda da nobre família era o suporte. E o corpo, tão cultuado, era tudo.


*


A saída do campo de futebol não estava nada fácil. A grande quantidade de pessoas no tumultuado clássico, somado à exacerbação dos ânimos, fazia do clima quente daquele início de noite ainda mais sufocante. E o gol de pênalti, que garantiu a vitória numa jogada duvidosa, no último minuto de jogo, contribuiu para acirrar a rivalidade entre as torcidas.

Alheio à revolta dos torcedores adversários – perdedores na partida recém terminada –, ele saiu do campo se espremendo pelo pequeno portão. O estádio do rival era grande, porém, deveras desorganizado. O semblante de satisfação contrastava com as momentâneas dificuldades de locomoção. Conduzido pela massa num grande empurra-empurra, ele enfim chega à rua e busca a direção do estacionamento em que deixara seu veículo.

Do lado de fora do estádio, o clima era de provocações entre os torcedores. O medo de possíveis arruaças o impeliu a agilizar a andança. Cinco passos, porém, foram suficientes para conduzi-lo ao centro de um grande tumulto que estava prestes a se formar: duas torcidas organizadas adversárias frente a frente estavam, pedras e rojões na mão, desafiando-se num confronto, para ele, inesperado. O clima festivo de outrora cedeu de imediato ante o perigoso momento. Aflito, tentou proteção por detrás de um caminhão logo que a primeira pedra foi atirada. Daí por diante, só selvageria.

Ainda que acuado, não hesitou em agir: correu entre os briguentos na ânsia de chegar ao outro lado da rua. Desviou de um paralelepípedo e de uma cadeira que em sua direção fora arremessada. Só não conseguiu desviar do tiro de rojão que lhe acertou em cheio a cabeça. A explosão do fogo de artifício foi-lhe fatal, constatação feita por um policial que chegou momentos depois, juntamente com outros soldados, para dispersar os vândalos e prender os delinquentes. A diversão, assim, acabou em tragédia.


*


O corpo do vaidoso jovem chega, enfim, ao Instituto Médico Legal. Após horas de espera, a mãe reconhece o cadáver do filho. Inconformada, não se contém ao ver tamanha beleza desperdiçada. O filho querido já se fora. E o corpo, tão cultuado, nada mais era...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Seis Séculos e Fogo

A noite caía infalível. Na Praça do Rosário, em Caruaru, a adolescente de 14 anos sentia-se mulher. Atraída pela ousada proposta de um homem em sua moto, partiu na garupa rumo a um programa que prometia. E foram juntos, ao que tudo indicava, na ânsia por ‘diversão’.

Seis séculos antes, um homem decidiu caçar na cidade de Plácido, na Itália. Atraído pela emoção da caçada, danou-se a explorar suas habilidades. Partiu valente. E foi montado em inconsequência, ao que tudo indicou, na ânsia por ‘diversão’.

Era 19 de fevereiro.

Em Caruaru, a noite não poderia ficar às escuras. Num sítio localizado na Zona Rural da cidade, o motoqueiro despiu-se de humanidade. Estuprou a adolescente com violência e ateou fogo ao corpo dela antes de fugir, sem deixar rastro.

Em Placência o fogo também surgiu, por mãos inconsequentes. Nas imediações da cidade, as chamas involuntárias se espalharam e causaram enorme prejuízo aos moradores. Atônito, o homem fugiu sem deixar rastro.

Era 19 de fevereiro.

Seis séculos e fogo. Se de um lado a crueldade e a falta de humanidade imperaram absolutas, de outro a imprudência foi o mote. E enquanto o motoqueiro continua foragido, o italiano, ao saber que um inocente havia sido acusado e preso, voltou, assumiu a culpa e utilizou seus fartos recursos financeiros para indenizar os prejuízos.

O motoqueiro, se pego, terá seus minutos de “fama” policial e ficará marcado como nefasto assassino. O italiano, que depois do ocorrido dedicou a vida aos semelhantes, ficou conhecido como São Conrado de Placência, beatificado pela Igreja Católica.

O passado e o presente, assim, se tocaram nesse 19 de fevereiro. O fogo foi elemento comum – os atos e consequências, não.

É... Os tempos mudaram...

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JC ONLINE - Adolescente estuprada e queimada em Caruaru continua em estado grave

Pernambuco.com- Adolescente queimada, espancada e estruprada tem quadro estável

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Um Sonho Chamado Terra


Terra. O planeta em que vivemos. Um sonho do Criador visando estágio probatório. Belo. Materno. Ilusório.

A cada dia a realidade onírica que aqui vivemos se torna mais clara. Vivemos num mundo de ilusão. Vivemos a realidade enquanto dormimos e sonhamos quando estamos acordados. E a maioria dos seres aqui viventes sonha perdida nas pegajosas tentações sensoriais.

O poder. O dinheiro. A fama. Ilusões que cegam...

Às vezes bate um desânimo. Ver os representantes do povo esforçando-se para enriquecer (ilicitamente), em detrimento do real poder de fazer algo pelo ‘todo’. Empresários esforçando-se pelo lucro demasiado, perpetuando a absurda má concentração de renda em todo o globo. Até os cidadãos comuns, abdicando da luta pela honestidade ao aderir aos ‘fáceis’ caminhos do dinheiro.

O poder. O dinheiro. A fama. Ilusões que cegam...

Mas, claro, há aqueles resistentes. Que não desistem da realidade divina que nos compõe. Que preferem ocultar-se nesse mundo fantasioso, ao invés de mergulhar nele. Que não abrem mão do que é lícito, ainda que não exista aqui perfeição. Enfim, seres humanos (sim! Ainda há seres humanos nesse planeta!).

O desânimo, assim, vira ânimo. Para seguir em frente. Compreendendo que esse sonho terreno é mesmo passageiro e ilusório. E absorvendo a ideia de que, sim, estamos aqui porque precisamos. E temos, todos, uma importante missão a cumprir – quer estejamos conscientes disso ou não.

Vamos em frente. Vivendo esse sonho chamado Terra...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Esquinas

Eis-me aqui, como sempre, desde que me entendo por gente. Meu olhar se cruza com o seu, em esquinas diversas, buscando sincronia, ainda que ambos perdidos em reflexos errantes.

Sou somente eu, ao contrário dos que me olham com desdém. O véu que me cobre é o da realidade que, por sua vez, se disfarça de fantasia, fazendo parecer fútil o que acaba me sendo de valia. Exponho-me em curvas perigosas e a rostos que podem ocultar inimigos e me arrojo pela iminente vontade de conseguir o que nunca tive.

Sou também cria tua. Aprendi a ser mais mesmo sendo vista com tanto menosprezo, ainda que em teus sonhos busques a mim, ainda que sejamos tão congruentes em nossas faces mais vãs. Por vezes me vesti de fantasias e ganhei vil realidade. Mesclada por teu sêmen de ignorâncias, vi-me animal frente à tua própria animosidade. E procurei seguir adiante.

Em cada esquina permaneço, noite após noite, provocando a ânsia dos que se atrevem a ter momentos de aceitação, que se entregam aos reprimidos devaneios, tão cuidadosamente ocultos na profundidade do ser. Eu sou o lar travestido, a companheira errante e o vício maldito. E me dou ao sexo para buscar dinheiro.

Sou língua, ânus e vagina, satisfazendo nossos vícios e necessidades. Carne na carne, com prazer ou não, dor e ilusão, unidos pelo que, talvez, possa ser saciável. E nesse ponto convergimos: necessidades diferentes que se cruzam para compor o que somos, tão simplesmente humanos, noite a noite, em becos, ruas e esquinas...