quarta-feira, 2 de abril de 2008

O Fungo, a Dor e o Exemplo de Gaby

“Como posso gritar
Se não consigo falar?
Como posso deixar de amar
Com a semente de uma mulher
Dentro de mim?
Deus, se a vida é tantas coisas
Que não sou e nunca serei,
Dê-me força para ser o que sou”.

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Estou com uma inflamação no ouvido. Um fungo ousado decidiu entrar e se instalar no meu canal auditivo esquerdo. Estou convivendo com a dor, embora confesse que tenho lutado contra ela.

Dor. Companheira dos homens desde os primórdios dos tempos. Eis que ela vez por outra aparece, seja infligindo sua tenacidade no corpo físico ou no emocional. E por que tanto repelimos-na? Por que, após tantos milhares de anos, a vida humana não aprendeu a conviver com ela?

Olhemos ao redor. A dor está em toda parte, capciosa, abrindo espaço nesse vasto mundo. Até aí tudo bem. O problema é que, com ela, perdura o sofrimento, esse, sim, reflexo da nossa incapacidade em entender a dor. Por que tantas coisas doem em nós? Quando deixaremos de lado a pretensão de querer ser melhor do que somos, deixando de nos doer tão facilmente?

Esse é o ponto. Exceto nos casos clínicos agudos - e ainda assim é possível conviver com ela -, a dor é a maior prova da nossa incapacidade de apenas ser. Para saber o que é ser são, é preciso a loucura; para saber o que é ser saudável, é preciso sentir dor; para saber o que é felicidade, é preciso saber o que é o desamor.

Está bem... Está bem. Vou ignorar as minhas palavras iniciais. Afirmo: não estou sentindo mais dor. Estou começando a pensar no fungo como um grande amigo, um vizinho temporário que veio habitar no meu ouvido, próximo ao meu cérebro, talvez, só para me dizer o quanto preciso apenas ser. E parece que estou aprendendo... Valeu, fungo!
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Os versos publicados no início desse post são da escritora Gabriela Brimmer - ou apenas Gaby. Nascida com paralisia cerebral, viveu limitada a uma cadeira de rodas (foto). Só mexia o pé esquerdo, não falava, se comunicava apenas pela escrita via datilografia ou digitação (feita com o pé!). Suas palavras - e o exemplo da sua força em vida - revelam uma mente fantástica. Que o seu exemplo, então, nos inspire também a apenas ser... Valeu, Gaby!