sábado, 21 de fevereiro de 2009

Carne e Cultura


Na calçada, o homem permanecia sentado. Quase paralisado. Cabisbaixo. Olhar perdido rumo ao calçamento. Camisa de bloco dependurada no ombro esquerdo. Bêbado. Acabado naquele momento de ressaca após o (fugaz) êxtase. É carnaval...

Eis que retorna ao nosso calendário a ‘festa da carne’. Folia pagã de longa data – há alguns séculos também inserida nos conceitos canônicos da igreja católica. Festança que, no Brasil, multiplicou ainda mais a sua riqueza enquanto manifestação popular. Também, ganhou contornos peculiares em cada região desse vasto território, proporcionando em larga escala momentos em que a carne e a cultura se misturam, formando um antagonismo irônico.

Há pelo menos dez dias o país ferve com os festejos pré-carnavalescos. Em Recife e Olinda Blocos, troças, shows, bailes, desfiles. E o início da chamada folia de momo começa mesmo no sábado de Zé Pereira, indo até a quarta-feira de cinzas.

Aí começa uma infinidade de ritos e cores. Folclore e alegria sem idade. Focos de animação (quase) sem fronteiras sociais. Música e dança com variações regionais das mais diversas. Bebida alcoólica em excesso. Embriaguez e êxtase. Crimes e violência em multiplicidade. Sexo desvairado. Ilusão. Ressaca... Carne e cultura.

Que o diga o homem de meia idade sentado na calçada, conforme narrado no início: folião outrora entusiasmado; assaltado no meio da folia; provável assassino após uma briga com um dos meliantes; embriagado; traído pela mulher (ainda sem saber de nada); ressacado; e agora um tanto anônimo. Personagem real desses tempos de folia. Sem dúvida, exemplo perfeito do antagonismo representado pela carne e cultura.