Em dois meses, três pessoas queridas
a mim faleceram. Não fui a nenhum enterro. Em um caso, fui ao velório (muito
mais para cumprimentar familiares e amigos). Todos três receberam minha atenção
interior e minhas vibrações de amor, mas nenhum corpo morto recebeu a minha
presença. Já fui a enterros (e, claro, deverei comparecer a outros), mas não
gosto da equivocada ideia de “despedida”. Despedida da carcaça. Não gosto. O
apego ao corpo é um conceito equivocado.
A vida humana é assim. Corpos
conhecidos vão padecendo. Almas amigas vão retornando pra casa. E deixando,
aqui, outros corpos, perdidos, que perpetuam uma cultura mórbida. E quando os
defuntos são ditos famosos, o excesso é contundente.
O que dizer dos velórios (quase)
intermináveis de Dominguinhos, Nelson Mandela e Reginaldo Rossi (isso pra ficar
somente em exemplos mais recentes)? Desconhecidos emocionados pela imagem, já
que, em sua esmagadora maioria, não conheciam os finados em questão. Pessoas
simples, muitas delas, acreditando-se menores do que os tão badalados corpos em
exposição - cujas visões são moldadas apenas pela mídia. Um culto ao corpo que, numa análise fria, nada mais é do que uma
mórbida cultura, repito, de valorizar o que não tem valor (sim, Dominguinhos, Mandela
e Reginaldo Rossi, assim como qualquer outro ser humano, eram muito mais do que
seus corpos enrijecidos).
A desgraça atrai. A morte é ímã.
Funerais parecem o ápice desse ‘urubuzismo’ humano em torno da fragilidade
corpórea. O medo de morrer da maioria soa controverso diante dessa longínqua e
repetitiva morbidez. Fico somente a imaginar-nos no enterro de nós mesmos,
tentando compreender a própria cegueira nossa ante o imaterial. Só imagino.
Num planeta onde seus habitantes
mais ‘inteligentes’ cultuam o corpo como meta suprema, eis uma crônica de um
mundo que mais parece uma salada de ignorância (salada essa que só emagrece
moralmente). E enquanto o meu corpo envelhece aos poucos, preparando-se
lentamente para voltar ao pó, sigo tentando ser mais alma (a minha porção
perene!), errando, claro, mas tentando fazer a diferença aqui e acolá e olhando
a mim e à minha volta com uma verve incisiva. É só o que me resta...