Foi
quando ela quis voar. Jogar-se da sacada de seu luxuoso apartamento, no último
andar. Uma torre alta, à altura de uma mulher em altos apuros. Não havia mais o
seu querer por um mundo sem calma, um casamento sem cama, uma profissão sem
gana, uma vida sem alma. Coragem ou covardia? Todos haveriam de se questionar.
Mas de que diachos serve o dizer alheio? Danem-se! Voar soa melhor do que
sofrer! Ser está muito além desse insosso viver! Há, sim, força no meu voar! Os
pés no parapeito. O sopro invisível a tremular os seus cabelos. O buraco negro
da noite a lhe fitar. As pequeninas luzes muito abaixo de si. A imensidão do
universo muito acima da sua pequenez social. Era a hora. Os olhos se fecharam.
As pernas tremeram. Voar é, sim, melhor do que sofreeeerrrrr... O mergulhar no
vão da vida foi-lhe mais prazeroso do que pensava. Mas somente por ínfimas
frações de segundo. Constatar-se desprovida do poder da própria vida doeu.
Mais. Deu-lhe consciência. Mas... E agora? “Meu corpo cai!”, gritou. “Vai-se o
corpo meu!”, compreendeu. A força da gravidade contrastando com o peso de suas
palavras, pensadas e emitidas com urros inaudíveis para o resto do infinito.
“Mas...”, pensou. “Eu tenho alma... EU TENHO ALMA!!!”. O corpo, contudo, continuou
a cair. E foi caindo. E os seus olhos abertos enxergaram o asfalto cada vez
mais próximo. E os seus olhos fechados esperaram a dor do fim. E o bater no
solo a fez abrir os olhos. Em sua cama, o abrupto acordar foi-lhe alívio. E o
suor nos lençóis parecia lhe dizer: tens corpo. E ALMA...