domingo, 6 de abril de 2008

Aqueles que se Entregam à Própria Sorte

Arcabouço disforme,
Desarmonia reinante em corpos retorcidos,
Forçadamente amiudados,
Guardando em si atrofiada mente,
Auto-absorta,
Nodosa.

A capa, assim, já nem serve
E o âmago amarga o apressar do passo,
Esse inocente e intencional acelerar humano.

Os voluntários se auto-sentenciam,
Guardam concorrida turba no leito de morte,
Recatadas pr’aqueles que se entregam à própria sorte.

Cumpra-se, então, o dito adágio!



Observo-nos. Como nos deixamos envelhecer! Decrepitude mental que se reflete no corpo, o ‘arcabouço disforme’, imagem de eu’s complexos, reprimidos, insatisfeitos, revoltados.

Somos todos gordos. Cheios de egoísmo, violência, culpa, medo, solidão. A obesidade moral nos consome, dia após dia, como um carrasco voraz. Deixamo-nos atrair pela cobiça, como se nós mesmos não nos bastássemos. E esse mal coletivo perdura...

Eu também estou gordo. Um tanto farto desse excesso de notícias ruins, desse nosso exacerbado senso de exploração do comum e do absurdo: a prisão do homem pago para cuidar de um idoso de 81 anos (e que, ao invés disso, espancava-o); a morte da modelo (mais uma) por anorexia, na busca desequilibrada pela beleza; a mulher que, de tão gorda, morreu esparramada numa cama...

Pois é... Ao que parece, somos todos aqueles que se entregam à própria sorte...

sábado, 5 de abril de 2008

Adeus e Solidão

Olhos apertados
Lágrimas reprimidas
Magoei a menina...
Dos meus olhos.

Peito apertado
Batimentos sofridos
Machuquei os inquilinos...
Do meu coração.

Agora todos se foram...
Sofrerei sozinho, então.



Enquanto o vulcão Kilauea explode no Havaí, no Brasil a mídia se delicia em explorar o caso da menina Isabella Nardoni - mais uma inocente vitimada pelo nosso caos social.

Enquanto muitas crianças tornam-se vítimas dos desequilíbrios adultos - dos pais, de familiares ou de estranhos -, a sociedade se choca, manipulada pelos meios de comunicação, que tornam o suposto (e provável) assassinato da garotinha branca e rica em questão nacional.

Quantas Isabellas (negras, pardas, pobres, miseráveis) morrem todos os dias? Quantas delas ocupam o horário nobre da televisão ou as principais páginas dos maiores jornais brasileiros? Quantas não morreram com igual ou maior gravidade?

Enquanto o Brasil chora lágrimas incongruentes - e a mídia alimenta sua audiência -, o vulcão Kilauea continua dando um show de beleza, mostrando a força e a exuberância da natureza. Talvez para nos mostrar o quanto ainda damos adeus ao bom senso e mergulhamos na solidão.
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Soframos todos sozinhos, então...

sexta-feira, 4 de abril de 2008

54 Pés


Olho para baixo...
São apenas os meus dois pés...

Antes era os pés da besta:
Pé de pau, pé de mato, pé de planta,
Pé de moleque, pé de morro, pé de rampa,
Pé de anjo, pé de serra, pé de pinhão,
Pé de chulé, pé de chuva, pés no chão.

Depois foi tudo ao pé da letra:
Pé de lancha, pé do ouvido, pé de cobra,
Pé de pato, pé de gente, pé de cabra,
Pé no saco, pé de coelho, pé de guerra,
Pé na tábua, pé na estrada, pé de atleta.

Mais pra frente, pé na bunda:
Pé do toitiço, pé nas costas, pé de mesa,
Pé de dinheiro, pé rapado, pé de cana,
Pé grande, pé do cipa, pé de chumbo,
Pé de moça, pé de meia, pé de juízo.

E, no final, só pé de galinha:
Pé quente, pé frio, pé de chinelo,
Pé de ouro, pé de boi, pé de valsa,
Não tá de pé, nem vai dar pé, só pé de escada,
Pé na jaca, pé na lama, pé na cova.

Olho para baixo...
São apenas meus dois pés...
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Com quantos pés se faz uma vida? Andamos por aí, pés no chão e cabeça para o alto, ávidos por viver, sedentos por um planeta mais humano - e, por que não, mais divertido. Afogamo-nos em risos e lágrimas e entramos com os dois pés no que acreditamos ser o melhor para nós mesmos. Mas, infelizmente, o mundo anda girando com o pé esquerdo.

Tomando pé das notícias locais, deparei-me com algo aterrador: o tio que matou a sobrinha de três anos a foiçadas, ontem, em Jupi (PE). Ainda estou de quatro pés com o impacto da nota - e da barbaridade cometida pelo alcoólatra, que quase foi linchado pela população.

O ser humano anda vivendo sem pé nem cabeça. Quando tomaremos pé das nossas próprias noções de civilidade? Quando daremos pé de nós mesmos? Até quando permaneceremos sem um pé de juízo?

Assim, a minha intenção de brincar com a ‘Língua’ através dos ‘pés’ acabou não dando pé. Fazer o quê? Essa é a nossa triste e real gramática...

quarta-feira, 2 de abril de 2008

O Fungo, a Dor e o Exemplo de Gaby

“Como posso gritar
Se não consigo falar?
Como posso deixar de amar
Com a semente de uma mulher
Dentro de mim?
Deus, se a vida é tantas coisas
Que não sou e nunca serei,
Dê-me força para ser o que sou”.

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Estou com uma inflamação no ouvido. Um fungo ousado decidiu entrar e se instalar no meu canal auditivo esquerdo. Estou convivendo com a dor, embora confesse que tenho lutado contra ela.

Dor. Companheira dos homens desde os primórdios dos tempos. Eis que ela vez por outra aparece, seja infligindo sua tenacidade no corpo físico ou no emocional. E por que tanto repelimos-na? Por que, após tantos milhares de anos, a vida humana não aprendeu a conviver com ela?

Olhemos ao redor. A dor está em toda parte, capciosa, abrindo espaço nesse vasto mundo. Até aí tudo bem. O problema é que, com ela, perdura o sofrimento, esse, sim, reflexo da nossa incapacidade em entender a dor. Por que tantas coisas doem em nós? Quando deixaremos de lado a pretensão de querer ser melhor do que somos, deixando de nos doer tão facilmente?

Esse é o ponto. Exceto nos casos clínicos agudos - e ainda assim é possível conviver com ela -, a dor é a maior prova da nossa incapacidade de apenas ser. Para saber o que é ser são, é preciso a loucura; para saber o que é ser saudável, é preciso sentir dor; para saber o que é felicidade, é preciso saber o que é o desamor.

Está bem... Está bem. Vou ignorar as minhas palavras iniciais. Afirmo: não estou sentindo mais dor. Estou começando a pensar no fungo como um grande amigo, um vizinho temporário que veio habitar no meu ouvido, próximo ao meu cérebro, talvez, só para me dizer o quanto preciso apenas ser. E parece que estou aprendendo... Valeu, fungo!
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Os versos publicados no início desse post são da escritora Gabriela Brimmer - ou apenas Gaby. Nascida com paralisia cerebral, viveu limitada a uma cadeira de rodas (foto). Só mexia o pé esquerdo, não falava, se comunicava apenas pela escrita via datilografia ou digitação (feita com o pé!). Suas palavras - e o exemplo da sua força em vida - revelam uma mente fantástica. Que o seu exemplo, então, nos inspire também a apenas ser... Valeu, Gaby!

segunda-feira, 31 de março de 2008

A Chama e as Chuvas


A chama olímpica chegou em Pequim. Símbolo de paz e união entre os povos através do esporte, teve seu brilho ofuscado pela questão envolvendo a China e o Tibete, trazida à tona por manifestantes quando a tocha foi acessa na Grécia, dias antes. País conduzido com mãos de ferro, a China encontrou um bom motivo para repensar as suas relações com o mundo e, especialmente, com o seu próprio povo: a realização dos Jogos Olímpicos. Será que vai rolar?

Do outro lado do planeta - aqui em Recife -, o mundo se dilui embaixo d’água. Não o meu e o seu, que nos possibilita sentar confortavelmente utilizando um computador enquanto a chuva cai torrencialmente; mas o da população mais carente, que sofre com mortes, acidentes e a perda dos poucos bens materiais por conta das chuvas e da conseqüente queda de barreiras. Será que vai continuar a rolar?

Que chuvas de paz orientem o oriente. Que a chama da solidariedade inunde o povo recifense. Que milhões de gotas de amor sensibilizem governantes nos dois (e em todos) lados do planeta. E que, enfim, a tocha da esperança continue acesa no coração de toda a humanidade. Aí, sim. Vai rolar.
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A imagem acima é uma arte produzida pelo movimento Repórteres sem Fronteiras, numa crítica visível à realização das Olimpíadas 2008 em Beijing. Eis a nossa união.

domingo, 30 de março de 2008

Meu Minuto de Silêncio


A imagem mostra a covardia humana: a temporada de caça às focas, no Golfo de São Lourenço, no Canadá. Sob protestos em todo país, os caçadores valem-se da quase total indefensibilidade desses animais, agindo com violência em nome do dinheiro.
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Hoje sofrem as focas. Todos os dias sofrem os frangos, os bois, os porcos. Financiamos a selvageria humana, que insiste em manter-se mais animal que humano. Consumimos o sangue dos animais, o oxigênio do planeta, o verde das florestas, o ozônio da atmosfera... Tudo por mero interesse financeiro - sim, dinheiro que cobiçamos desenfreadamente, mas que não levamos quando partimos.
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Paro por aqui. Não vou escrever mais nada. Voltarei ao meu minuto de silêncio...

sábado, 29 de março de 2008

Nós Abortamos Ângelo


Apenas uma semana de vida. Sequer foi batizado. Chamá-lo-ei de Ângelo (embora alguém já tenha sugerido o nome de Renato). Abandonado ontem pela mãe na portaria de um prédio em Brasília, ainda que sem querer, expôs a nossa miséria social. Questões macro - como a educação e a igualdade sócio-econômica - e micro - como a responsabilidade de gerar um filho e assumir as conseqüências de um relacionamento sexual - vieram à tona com a mesma força da imagem na TV.

A frieza do abandono se compara a um aborto. Ângelo é, sim, fruto de um aborto social, cria da nossa incapacidade em lidar com os efeitos dos nossos próprios atos e, acima de tudo, de conviver coletivamente com justiça e amor. A mãe de Ângelo é, também, um reflexo do que somos.

Uma penca de gente vai surgindo na ânsia de adotar o menino. Claro. Famoso - possivelmente, no futuro, foco de uma matéria num telejornal qualquer (“lembram da criança abandonada há 18 anos em Brasília...”). Adoção? Sim! Lição de amor, contudo, é conseqüência dessa miséria. E a causa? Quando encontraremos a cura para nós mesmos?

Ângelo chora. Continua sentindo a ausência da mãe. Permanece esperando que tantos outros, como ele, sejam enfim amados. Quantos bebês ainda iremos abortar?
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* O texto acima foi baseado em fato verídico, acontecido na Capital Federal em 28 de março de 2008. Esse é o nosso mundo...

sexta-feira, 28 de março de 2008

O Doce Sabor da Gentileza


Tô fora! Não agüento mais esperar. Quando alguém atende, não me atende. Passa adiante. E não posso sequer reclamar. Isso quando é gente que surge do outro lado, pois às vezes me deparo com um ser digital, me tratando como se fosse alguém...
- Bom dia! Você ligou para o atendimento digital do cartão Master Line. Por favor, diga qual o motivo da sua ligação.
Silêncio na linha...

(vixe! Vou falar o que?)

Meu filho olhando pra mim sem entender e eu temendo ficar com cara de idiota. Saco! Vou ligar de novo e ver se tem outra opção que possa me colocar na linha com algum atendente de verdade.
- Bom dia! Você ligou para o atendimento digital do cartão Master Line. Por favor, diga qual o motivo da sua ligação.

(hummm...)

- Segunda via da fatura do cartão de crédito!

(eita! Falei alto, com cara de idiota e meu filho rindo de mim. Bonito isso... Hum!)

- Desculpe, mas não foi possível registrar o motivo. Por favor, diga novamente qual o motivo da sua ligação.

(lá vou eu de novo...)

- Fatura!
Dessa vez simplifiquei pra ver se aquela coisa “entendia”. A risada do meu filho agora foi maior. E a minha cara de babaca também.
- Ah! Entendi. Você quer informações sobre sua fatura. Aguarde um momento por favor.

(oxente! Essa danada vai voltar de novo, é???)

Tudo bem. Vou esperar. Espero. Espero. E espero... Musiquinha pra lá, musiquinha pra cá... E tome merchandising, blá-blá-blá... Minha Nossa Senhora! Três minutos e o palhaço com o fone na mão. O palhaço sou eu, claro. Mas, antes que desistisse, eis que surge uma vozinha de mulher com sotaque insuportável.
- Cartões Master Line, Atendimento ao Cliente, Odete, bom dia, com quem falo por favor?

(danou-se... Pra mim isso é um recorde!!!!)

- Meu nome é Pablo e eu...
- O senhor fala de qual cidade, por favor?
- Recife...
- Só um momento por gentileza...

(só mais um momento, é? Hum!)

E tome tempo de espera.
- Só mais um momento por gentileza...

(outro???)

Mais algum tempo de espera.
- O senhor pode me confirmar seu endereço, por favor?
- Não! Você não tem meus dados aí não, minha filha?
- É só para confirmação, senhor. É para a segurança da operação, por gentileza...

(é muita frescura...)

Após confirmar endereço, número da identidade, CPF, número do cartão...

(número do sapato e até a marca da minha cueca!!!)...

- Senhor, como o senhor é cliente Gold Card Vip, vou transferir o senhor para o setor responsável...
- Mas...
E tome musiquinha pra cima. Não pude sequer contestar a mulher e a danada da ligação já foi indo pra outro. E um cabra me atendeu...

(voz grossa e aquele sotaque intolerável)

- Cartões Master Line, Gold Card Vip, Faturamento, Jean Carlos, bom dia, com quem falo por favor?

(putz! Haja fôlego!!!)

- Rapaz, eu tenho que dizer tudo de novo?
- Perdão, senhor, não entendi.
- Meu filho, eu vou ter que repetir todo o meu histórico de novo ou você só quer saber o meu nome?

(pelo amor de Deus!!!!)

- Desculpe, senhor, mas é necessária identificação para segurança da operação.
- Olhe...

(se esse cara tivesse na minha frente...)

- Meu nome é Pablo, eu vou dizer o número do meu cartão e só! Você vai se virar mas eu não vou repetir tudo de novo!
- Senhor Pablo, é que eu preciso das informações para poder lhe atender...
- Tá bom! Tá bom!

(lá vou eu de novo, em nome do bom senso e da cortesia...)

Após todas as informações citadas novamente...
- Senhor Pablo, qual o motivo da sua ligação?
- Meu filho... Eu só quero saber como posso tirar a segunda via da fatura do meu cartão de crédito. Eu já tentei...
- O senhor pode acessar nosso site...
- Meu filho! Eu já tentei! Você acha que eu liguei por que?
- Só um momento, senhor, que vou passar para o setor responsável.
- Ei! Peraí...

(rapaz, e não é que o cabra não me deixou nem completar o que ia dizer?)

E tome musiquinha. Ouvindo o som da imbecilidade, me peguei em pensamentos nada nobres. E foi aí que constatei o paradoxo da minha ligação: pessoas educadas, gentis, mas treinadas para enrolar o consumidor – ou seria apenas incompetência mesmo? Acho que nesse planeta, esse é o doce sabor da gentileza...
Mão na testa e outra no fone, contive-me até nova atendente dar o ar da graça, com a velha frase feita e o terrível sotaque no meu pé do ouvido.
- Cartões Master Line, Gold Card Vip, Segurança ao Cliente, Marcela, bom dia, com quem falo por favor?

(meu Deus!!! Vamos lá... Paciência e educação...)

- Minha cara, você é a quarta atendente que eu falo... Tentei tirar a segunda via da fatura do meu cartão pela internet e não consegui. Eu só quero saber se você pode me ajudar a...
- Só um momento, senhor, que vou passar para o setor responsável...

(aaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!! E tome musiquinha ainda por cima!!!)

Ah! É assim, é? Agora não tem acordo não! E não precisa nem colocar meus pensamentos nos parênteses, porque eu não agüento mais!!!!
- Cartões Master Line, Gold Card Vip, Atendimento Especial, Leandro, bom dia, com quem falo por favor?

(pode colocar o que eu disse...)

- Meu filho: vá pra putaquipariu!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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OBS.: qualquer semelhança com a vida real não terá sido mera coincidência...

quarta-feira, 26 de março de 2008

Águas Azuladas


Olho as águas azuladas da grande piscina. Embalado em suas suaves ondulações, meu filho mergulha empolgado. Nadando como um peixinho travesso, provoca uma sensação de orgulho no meu peito. Eu, aqui, bendito entre as mulheres (já que sou o único pai presente acompanhando a aula de natação). Próximas a mim, várias mulheres dividem o espaço fora da piscina e, dentre elas, apenas duas mães - todas as outras são funcionárias do lar, ali por uma obrigação profissional.

Observo as outras crianças, a maioria delas nitidamente carentes, ávidas pela atenção da professora. Onde estão seus pais? Questiono. E vou além: o que estamos fazendo com o nosso tempo? Que atenção estamos dando aos nossos filhos? Em que estamos contribuindo para que a futura geração seja melhor que a atual?

Tudo bem! Não vou entrar em detalhes, que são inúmeros - até porque quem sou para tal? -, mas trago à tona a questão da presença dos pais no dia-a-dia dos filhos e, principalmente, na importante contribuição que estes podem dar na formação do caráter da criança. Ouvi dizer que os melhores mestres são aqueles que nos fazem sofrer (pois nos proporcionam aprendizado). Mas, em se tratando de pais e filhos, essa máxima é falha, afinal, adulto são é aquele que teve amor, carinho e atenção familiar na infância.

Volto a olhar para as águas azuladas. Vendo as crianças soltas na piscina, alivio-me por um instante. Bom saber que estas estão seguras...

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Polêmica e mais polêmica. A sociedade humana é rica em promover controvérsias, justas ou infundadas. O foco nas crianças curtindo uma aula de natação remeteu-me ao caso de Joanna Maranhão - e de outras garotas que estão aparecendo agora. Pedofilia... Existe distorção humana mais perversa?

Prefiro a imagem da piscina. Mergulhemos, pois, nas águas azuis da consciência tranqüila...

terça-feira, 25 de março de 2008

O vazio e o Absoluto

O que não é, não sou.
O que é, sou.
Sou o todo, o tudo.
Só preciso me descobrir de verdade...



Ausência. Eis o vazio que parece infinito e que em mim teima em habitar. O que esse invisível representa? Por que ele persiste? O que significa?

E eu que pensava ser repleto. Tudo tenho. Tudo em mim habita. Contudo, vez por outra me flagro esvaziado, como se o que tenho e o que sou não me bastassem.

Enxergar o vazio é algo que soa estranho, mas, nesse momento, vejo-o. Percebo o seu reflexo no mundo exterior, nas pessoas que nada têm e que vivem, sorriem, apenas existem sem sequer se incomodar com o que pretensamente lhes faltam.

Volto ao vazio. Continuo a fitá-lo, só que dentro de mim. Olho-o de frente, ‘olhos nos olhos’, como se fôssemos íntimos. Enxergo... Somos apenas um, criador e criatura, cria minha representando o que ainda não sou.

Eu sei. O tempo há de passar e, com ele, crescerei. Aí, não sobrará espaço para o que não é. Serei pleno. Tão somente eu. Absoluto...
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A morte do ator australiano Heath Ledger ainda repercute. O vazio da perda, ofuscada pela repercussão mundial, foi reavivada numa exposição na Austrália, um concurso para retratistas. A pintura hiper-realista, feita por Vincent Fantauzzo e concluída na véspera da morte de Ledger, mostra o ator ao centro, ladeado de seus dois outros ‘eu’ cochichando ao seu ouvido.

Para o retratista, a sensação de vazio é uma constante. "Olhar por muito tempo para o quadro me emociona e ao mesmo tempo me dá calafrios, parece que ele ainda está ali diante de mim, posando", diz Fantauzzo. Talvez seja o invisível da morte, por nós ainda incompreendido.

A obra será doada à família do ator. E, ao que tudo indica, o tão repetido vazio se perpetuará. Quando nos tornaremos absolutos, enfim?