domingo, 14 de novembro de 2010

Antes Que o Dia Termine

Antes que o dia termine cá estou eu, sozinho em mim. Assim como tem sido ultimamente. Assim como, ao que parece, sempre haverá de ser...

O sol vai se pondo. Passam das cinco. Abro a janela, no primeiro andar onde me encontro, e o movimento é razoável na rua. Quase em minha frente um pequeno pássaro pousa sobre o fio de eletricidade. Abaixo, na calçada, uma mulher com lenço branco na cabeça vasculha o lixo em busca de algo útil. Dentro de mim, um vazio incompreendido se acentua.

O pássaro permanece quase imóvel. Defeca sem pudores do alto donde se encontra, alheio ao que se passa nesse mundo escuro. Lá em baixo, a mulher do lenço branco me pede algo pra comer, alheia ao que se passa no meu mundo escuro.

Desço e dou à mulher algo pra comer, como ela mesma pediu. Grata, vira-se e segue em frente. De volta, não mais vejo o pequeno pássaro. Ele se foi, seguindo em frente. Viro-me e vou direto ao computador. Nele, sinto a sensação de que, nas palavras, posso também seguir em frente.

Alheio às nuvens escuras que começam a se juntar no céu, penso no pássaro e na sua liberdade autêntica. Também, na pedinte consciente da sua “escravidão”, ainda que perambule com liberdade pelas ruas da cidade. Penso, ainda, na pequenez que me compõe, tornando-me meio-termo nesse cenário de inconstante permanência.

E antes que o dia termine cá estou eu, sozinho em mim. Assim como tem sido ultimamente. Assim como, ao que parece, sempre haverá de ser...

2 comentários:

  1. Engraçado como a expectativa de que dias nublados passem logo nos desparta para a melancolia que existe em nós e, quando ela vem a tona, abre-se também a porta da sensibilidade. O passaro no fio... a mulher pedinte... Tudo é perceptível, tudo é nu aos nossos olhos e as vezes essa nudez nos remete ao labirinto secreto, escuro e sombrio da nossa alma.

    Solidão... amo-a. Ela me faz ver quem de fato eu sou. E tira-me o medo de tocar todas as chagas que eu criei e que outros criaram, a fim de saber e reconhecer do que sou feita. Até onde posso ir. Todas as misérias que nos compõe, compõe também todas as belezas que existe em nós... Não sou forte, não sou fraca. Nem escritora, nem poeta. Nem feliz nem triste. Apenas eu...

    Ps. Adorei o texto.

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