sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Homem da Cadeira

(Mais um conto da série "Teoria Sobre o Caos")



O mar estava seco. Mais de meio-dia e o sol continuava vigoroso. Um público até certo ponto pequeno curtia aquele sábado comum.

À minha frente um homem postado estava, face para o mar. Sentado em sua cadeira de praia, ficou adiante dos guarda-sóis, com os pés próximos à água. Um senhor de meia idade, aparentando uns cinquenta e poucos anos, a dividir sua solidão com os despreocupados transeuntes. O que se passava em sua mente?

Ao contrário dos ocultos pensamentos, seu olhar não passava incólume a mim, deixando entrever a avidez da própria mente. E a presença de crianças no local, a brincar na beira da praia, passou a me deixar intrigado quanto aos objetivos daquela desconhecida figura.

Enquanto eu me pegava numa desconfiança inoportuna, passei a ouvir alguns comentários um tanto maliciosos, provindos de duas mulheres que próximas a mim estavam:

- Estranho aquele velho ali, não acha?

- Qual? O homem da cadeira?

- Hum, hum...

- E não é, menina? Desde hoje percebo suas atitudes. Olha a cara de satisfação dele em relação aquelas crianças... Sei não, viu?

- Estou de olho nele!

Tentei mudar o foco. Vi um pequeno bando de pombos pousar na areia, próximo a mim. Distraí-me. E minha abstração só foi interrompida pela lembrança repentina do solitário homem. Meu instintivo olhar colidiu com o dele. Entreolhamo-nos, sem querer, mas mantive-me firme no propósito de encará-lo e, assim, causar intimidação. Entretanto, o dito cidadão ignorou-me sem pestanejar. Foi quando duas garotinhas dele se aproximaram, provocando novos comentários das mesmas mulheres que próximas a mim se encontravam:

- Olha lá: o velho tarado está se insinuando para aquelas meninas, olha!

- Será que ele é parente delas?

- Que nada! E se fosse não faria a menor diferença. São tantos casos de pedofilia dentro do próprio lar, minha filha, que dá até nojo!

- Eita! Agora ele está comprando picolé para elas!

- Ai, meu Deus! Vamos ficar de olho!

Senti-me aflito. Agora, o denominado ‘homem da cadeira’ teria também a mim, definitivamente, em seu encalço. A insegurança que habitava aquelas duas mulheres ganhava em meu ser igual abrigo. Mantive-me, assim, em total alerta.

As garotinhas saborearam o picolé sob fixos olhares do homem. Ele direcionou os olhos aos arredores, deixando entrever a mim a própria insegurança, e pôs uma das meninas no colo. Detive-me em seus gestos comedidos e nas posturas das duas crianças. Os comentários das mulheres se intensificaram, passando inclusive a ganhar novos adeptos. Imediatamente, pensei em abordar o sujeito, afinal, alguém haveria de fazer algo.

Antes que pudesse eu exercer qualquer reação, vi uma moça aproximar-se do homem. Um tanto nervosa, ela gesticulava de forma incontida, revelando aos meus olhos a insatisfação de uma mãe injuriada ante as investidas do homem sobre suas filhas. Não hesitei em ir ao encontro deles. Levantei-me e, sob os atentos olhares das inquietas mulheres que outrora criticavam, abordei-os:

- Algum problema, senhora? – perguntei num firme tom de voz. E antes que ela me respondesse, o homem interveio.

- O que você tem a ver com isso?

- Como é?! Estou lhe observando de longe! Não pense que vai escapar dessa! – falei deixando minha raiva extravasar, quando a moça interrompeu-me incisivamente:

- O que é isso, rapaz! Deixe meu pai em paz!

Fiquei estático. E nesse exato instante, uma mulher vestida de branco se aproximou com uma cadeira de rodas especial. Enquanto ela ajudava o homem a sentar, as duas meninas suplicavam à mãe:

- Não briga com o vô não, mamãe! Foi a gente que pediu pra ele nos trazer pra cá. Fica brava com ele não...

- Está bem... Está bem... Mas não façam mais isso comigo! E isso inclui principalmente você, dona Rose! - falou dirigindo-se à enfermeira. - Vamos, pai. Vamos todos para casa...

O homem passou por mim, empurrado na cadeira de rodas, e dirigiu-me um olhar fulminante. O seu silêncio foi-me mais forte que qualquer outra reação. Desconcertado, recuei atônito. Sentei novamente na minha cadeira, com uma inevitável sensação de mal-estar. As duas mulheres ainda tiveram a ousadia de me perguntar o que havia acontecido. Respondi aborrecido:

- Ora! Lavem suas línguas com sabão!!!

8 comentários:

  1. Que susto! Veja o que o medo faz conosco!

    Muito bom Sidney.

    Luiza

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  2. Pois é, Luiza. O medo, o jugo, a intromissão na vida alheia... Dá nisso. Valeu!

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  3. migo Sidney,as coisas estão assim,as pessoas paranoicas.
    A desconfiança e a maldade se instalam.Outro dia eu,que estou nos 68 ,passeando no shopping com meu neto de 19,coisa que fazemos desde que ele era um bebê,como estávamos abraçados,vc nem pode imaginar os olhares q/ nos passavam...
    Vade retro! rsss
    bjs

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  4. A gente sempre antecipa, mentalmente, o fim de uma história. Pensei que fosse cego e, nem por isso, poupado do julgamento alheio. Muito bom, Sidney. BJ.
    Roberta.

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  5. Pois é, cara Miriam. Complicado... Valeu!

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  6. Valeu Roberta! O objetivo do conto foi mesmo esse...

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  7. Olá Sidney ! Quanto tempo !! Nesta semana pai deixou comigo o seu livro O Rei, a Sombra e a Máscara. Ainda não terminei, mas já percebo que é uma belíssima história, muito bem escrito e de um enredo interessantíssimo, Parabéns ! Grande abraço.

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  8. Grande Rainner! Prazer "recebê-lo" aqui no Blog! Valeu pela força, amigo! Espero que gostes do livro... Abraço!

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