terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Atrativo da Morte Anônima



Em meio a um tumulto inesperado, na beira da praia, descobriu-se o motivo de tanta agitação: um corpo jogado sobre a areia, possivelmente atacado por um tubarão.

Apesar de já ser quase que corriqueiro esse quadro mortífero na beira-mar do nosso litoral, o espanto e o medo sempre atingem a qualquer um. Eu, por exemplo, fiquei estático quando vi o estado do corpo daquele homem estirado no chão, como se fosse um mero pedaço de carne sobre ossos esbranquiçados. E, na verdade, não passava disso mesmo.

Em volta do cadáver cada vez mais uma multidão se formava, sedenta, devorando com os olhos o que o tubarão já havia feito com os dentes. Nos poucos instantes que parei para olhar, ainda pude ver membros da família do defunto chegar para reconhecer o corpo, entrando num estado emocional chocante. Pude perceber o quanto somos frágeis para a maior certeza da vida: a morte.

A cena ficou na minha mente. Tentei seguir friamente sem me deixar abalar e, enquanto caminhava, afastando-me do local, lembrei de outra cena cadavérica, ocorrida em minha infância. No interior, aos nove anos de idade, vi em meio há muitas pessoas um homem em seu caixão, que estava aberto na beira da calçada aguardando o momento certo de ser levado ao cemitério. O homem barbudo tinha sido atropelado e estava com o braço despedaçado, com uma grande tira de carne pendurada. Parecia ser somente um objeto feito de carne e osso, sem utilidade nenhuma. E era, ganhando essa condição pós-morte.

Voltando a mim, já próximo ao calçadão, estranhamente, ao sair da orla marítima e chegando à beira da avenida, a fim de pegar o carro que estava do outro lado, acabei presenciando um trágico acidente. Uma senhora idosa, que devia ter seus setenta e poucos anos, atravessou a avenida distraidamente, sendo fortemente atingida por um veículo de pequeno porte, que jogou-a há cinco metros de distância da colisão. Desesperado, o motorista, que diga-se de passagem não teve culpa, fugiu sem prestar socorro ou sequer para ver se a vítima estava viva ou morta. E realmente o acidente foi fatal. Testemunha ocular do crime, que aconteceu próximo de onde eu estava, tive que prestar depoimento no local sobre o ocorrido, mesmo que chocado com a trágica visão.

Num momento infeliz, por ter assistido a tanta tragédia, percebi uma curiosidade que já virou coisa batida: o ser humano gosta de ver a morte, apesar de temê-la. A multidão que se formou na avenida superou a já formada na beira da praia. A tevê chegou e fez a matéria que, claro, aumentou a audiência naquele fatídico dia.

Quem nunca viu o trânsito parar por conta de um acidente fatal? Ou viu o interesse das pessoas em folhear a página policial do jornal diário, “dissecando” as fotos explícitas de pessoas mortas brutalmente? A reação das pessoas varia sempre entre nojo, compaixão, espanto e às vezes, até mesmo, de satisfação, por ver algo misterioso e real.

Momentos como esses acontecem milhares de vezes por dia em todo mundo, seja por que motivo for. E sempre, sem exceções, despertam o interesse macabro das pessoas em ver, rever, comentar e se deliciar com a tragédia alheia. E quando quem presencia é pessoa próxima à vítima, a reação muda e se transforma em histeria.

O ser humano adora a morte... Dos outros! A morte anônima é sucesso no nosso mundo.


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(Crônica publicada no meu primeiro livro, O Que Importa é o Caminho - 2004)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Fim de Ano, Falsa Paz

“Para resolver o mistério da vida, devemos renascer todos os dias”.
(Paramahansa Yogananda)


A ideia de marcar o tempo com um esquema de calendário foi uma das mais geniais de todos os tempos. Afora o seu sentido científico, traz simbolicamente uma fiel sensação de renovação. Fechamento de um ciclo atrelado a abertura de outro. Enfim, momento anual para refletir e planejar novos rumos.

Socialmente, deturpamos tudo. Primeiro por utilizar o período do final do ano para alimentar nossa ânsia por superficialidade – predomínio absoluto de presentes, comidas, bebidas, festas etc. Segundo, pelo tênue sentimento de fraternidade, simbolizado pelo quase nunca lembrado (exceto pelo feriado) Dia da Fraternidade Universal (1º de janeiro). Também, por fomentar uma falsa sensação de paz.

Falsa. Paz superficial e limitada a um curtíssimo período de tempo. Falsa. Muitas vezes regada a tapinha nas costas e a risinhos nada verdadeiros. Falsa. Paz que nada tem a ver com o seu conceito mais puro, o de proporcionar harmonia, equilíbrio e entendimento pleno e duradouro.

E se por um lado a energia do planeta abranda pelas boas (e infelizmente) temporárias vibrações de “paz e amor”, por outro renovamos ano a ano a nossa incapacidade de sermos pacificadores e amorosos nos outros dias do ano.

Já que o Natal passou (e chegou novamente travestido – onde um personagem fictício recebeu os holofotes em detrimento de um mestre que por aqui passou e cuja data simbolizou a sua chegada a este mundo, há mais de dois mil anos), desejo um ano novo realmente NOVO a todos, cuja SENSAÇÃO de paz se transforme num SENTIMENTO de paz. Que os desejos verbalizados por saúde, felicidade, paz, amor e harmonia gerem uma consciência coletiva duradoura, para que 2012 – e todos os anos que virão – seja realmente repleto de saúde, felicidade, paz, amor e harmonia.

Renovação é bênção. Renovemo-nos, então...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Sobre Pessoas e Animais

“Nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo”. (Gandhi)



Por que o espanto?

O homossexualismo sempre existiu. A comunicação com os mortos sempre existiu. Os maus tratos a crianças e idosos sempre existiu. A pedofilia sempre existiu. Os maus tratos aos animais, idem. Crenças, modos de vida e desequilíbrios sempre fizeram parte do dia-a-dia humano. A diferença está no acesso às atitudes humanas, agora tão fáceis e antes tão bem camufladas – seja por questões de crença ou comportamento.

A violência contra os animais é a bola da vez. Pessoas ignorantes recebem a ira popular nas ruas e nas redes sociais, por conta de atitudes violentas e irracionais contra bichos de estimação. Coisa pra revoltar qualquer cidadão de bem, é verdade. Mas será que somos todos tão inocentes assim, a ponto de acusar tão veementemente?

É preciso ampliar o foco. Numa sociedade onde se consome inúmeros produtos com origem animal, provenientes das mais terríveis e violentas formas de abate, a relação entre o ser humano e os animais deveria ser repensada. Somos coniventes com o genocídio animal – quer para fins de alimentação, quer para testes de laboratório, quer ainda para satisfação dos mais variados desejos instintivos.

Ver um pequeno cão ser morto por uma “dona” cruel é horrível, mas cada um deveria fazer uma visita a um matadouro para assistir o abate de um boi. Ou a um aviário para ver como são tratadas e abatidas as aves que vão parar na sua mesa. Aliás, nem precisa tanto, basta procurar por vídeos sobre o assunto (em meio a tanto lixo promovido por milhões de acessos, sim, há coisas de valor a se pesquisar na web).

Só mata quem não dá valor à vida. E fomos criados, de um modo geral, acreditando que matar um animal para satisfazer seu desejo por sabor é correto. Uma pessoa que mata um animal para satisfazer sua raiva, segue princípio semelhante. É preciso rever certos conceitos. Muita coisa precisa ser corrigida.

Revoltemo-nos, sempre, com os desmandos humanos contra o reino animal e exijamos justiça. Contudo, não nos esqueçamos de cobrar a nós mesmos uma postura de real comprometimento com a causa animal. Afinal, não há como negar que, indiretamente, nós apoiamos a crueldade contra os animais dia após dia.

Por que o espanto?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Pequenas Divagações Sobre o Oráculo Recluso



Tem dias que corro contra mim. Morro. Renasço. Continuo. Persisto. Hoje mesmo acordei torto. Pênsil sobre mim. Penso então em mim. Por que tudo está assim?

Eu e tu somos. Depositamos grande parte de nós em outrem. Fundimo-nos e esquecemo-nos às vezes que somos um. Sim. Somos um. Estamos em todos e tudo está em nós. Mas somos um. Únicos. Mágicos em potencial. Unos.

Compaixão. Compreensão. Perdão. Aqui se recebe, ali se perdoa, acolá se é perdoado. Onde está a perfeição? Em todo canto do universo. Em mim. Em ti. Galgamos até lá. Passo em passo. Rastro íngreme. Exato. Tudo vai. Volta. Permeia, atinge e refaz.

Semear. Sem dó. Dar. Esquecer o que divide. Pensar no que se há. Vida curta, eternidade invisível. É preciso lutar. Por mim. Por nós. Pelo lar. Casa. Terra. Universo. Versos libertos pelo oráculo recluso de além-mar.

A luta permanece. Contra mim. Mortes e renascimentos. Continuidades e persistências. Vida em sono torto. Alerta pênsil. Pensamento isento. Somos um...

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Espelho de Mim



Um foco aceso e desfocado,
Retalhos de luz e sombra,
Complexo de partes antagônicas,
Conjunto inteiro e fracionado.

Um portal com interna dimensão,
Silhueta de traços indefinidos,
Porção inteira de antagonismos,
Raios dispersos em coesão.

Meu inverso refletido,
Minha história num segundo,
Um “eu” nu espelhando o mundo.

Meu reflexo, imagem sem fim,
Minha imagem, reflexo de mim,
Meu espelho, meu tudo.


(Poesia publicada no meu primeiro livro, “O Que Importa é o Caminho”, 2004)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Passo (Parte 2)



Passo pela estrada e caminho apressado. Um dia me canso de andar e mando tudo pro espaço! Se pra viver é uma caminhada, pra morrer é só um passo!

Vá bem...

Como rei, chegarei, escasso, de passo em passo, até o paço que me caiba. Minhas passadas conduzir-me-ão. Ah! Se não!

sábado, 3 de dezembro de 2011

Passo (Parte 1)


Cada passo dado é um novo passo rumo ao desconhecido. E a vida vai passando. E os passos vão persistindo. Eis que um dia restarão somente pegadas, rastros das firmes passadas de outrora, tão somente restos vividos.

Passo cada minuto envolvido em pegadas. Piso. Rastejo. Corro. Caio. Levanto. Persisto. Eis que um dia não restarão somente pegadas. Terei sido eu construindo a mim mesmo, deixando rastro pela estrada.

Tudo passa. Passamos horas vagando, aqui, acolá. Desperdiçamos passadas como se pudéssemos nos bastar. Mas tudo realmente passa. Até mesmo os passos nos bastarão. Mas a caminhada há de continuar...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Homem Velho que Sou

Foto: Arnaldo Carvalho

Às vezes
Sinto-me tão senil,
Um homem velho,
De velhas idades,
Idades estas vividas
Num curto ciclo juvenil.

Talvez seja a vida
Impondo-me seu relógio veloz,
Com ponteiros ousados,
Sincronizados com um tempo finito.

Talvez seja eu mesmo,
Impaciente, audaz,
Burlando meu chegar paulatino
Com passadas apressadas.

E esses “talvez”, agora,
Sequer interessam mais,
Pois vejo que tão somente sou
Como qualquer outro,
Velha alma, jovem corpo,
Ser longínquo sem idade...

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Todos Eles Vivem em Mim...



Nada de finados
A morte não é o fim
Penso cá dentro de mim
E lembro o meu irmão caçula Saulo
Minha avó Dôra
Meu avô paterno Luiz
O saudoso tio Paulo
Aretusa, Artoni, Mário
O estimado tio Ary
Adriana, Hélder, Branta
Meu avô materno Amarílio
Elias, Penha, Seu Zé, Geni
Luluca, Dida, Maria Eduarda
Tio Ivan, tio Lio e o amigo Sissi
Bisavós Coleta e Nina
Zeca, Paúca, Dodô, Maurílio
Inaldo, Fanca, Erisson, Dona Bibi
Estes, assim como tantos outros
Não estão mais por aqui
Mas finados nunca foram
Vivem e a eles louvo
Todos eles vivem em mim...

domingo, 30 de outubro de 2011

Sem fronteiras


Voei...
Além da mente...

Aqui chegamos sem pagar nada.
Aqui todos se apossaram de tudo.
Aqui respiramos de graça.
Aqui compartilhamos vidas e graças.
Aqui segmentamos o mundo.

Voei...
Além da mente...