segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Perseguição

A perseguição havia começado. Pelo largo corredor do movimentado shopping, a mulher seguia com o coração ávido. Embora entre tantas pessoas estivesse, sentia-se extremamente vulnerável naquele ambiente que sugeria conturbação.

Os passos eram comedidos, sincronizados com o temor interno. Seu olhar buscava refúgio, mas só encontrava gente estressada, crianças a choramingar, vendedores em pleno processo de antropofagia comercial. Assim, desbravar o caos mercadológico, digno de um grande centro de compras, era só o que lhe restava.

As batidas do coração aceleraram. A mulher tentou se esquivar da fatalidade, evitando olhar de frente para o perigo. E persistiu numa andança frágil, passível de erros, fadada ao insucesso. Mergulhada num esforço descomunal para não ser alcançada, decidiu mudar de rumo, acessando novo corredor de lojas. Ainda que tenha encontrado um ambiente mais ameno, não conseguiu livrar-se da sensação de acuamento. Mesmo assim, procurou seguir em frente, demonstrando rara obstinação.

Poucos passos, contudo, foram suficientes para que ela fosse alcançada. Todo esforço cedeu ante um mudo convite exposto numa vitrine: atraída pela cobiça – e pela luxuosa peça de roupa lá exibida –, entregou-se à ânsia de consumo que a perseguia desde a entrada no malfadado shopping. “Maldita hora em que decidi entrar aqui!”, pensou. Mas não deixou de agir: as compras duraram quase duas horas e o cartão de crédito ganhou novas cifras para débito na fatura mensal.

Recém-saída da high society, a mulher ainda haveria de sofrer outras dolorosas perseguições consumistas nesse processo indesejado de imergência social. Quem a salvaria, então?

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Teste de Gravidez em 2 Horas

Era uma segunda-feira daquelas, bastante agitada. No laboratório, Maria Paula ouvia da funcionária a negativa. “Graças a Deus!”, a adolescente pensou alto, sentindo-se aliviada após o teste de gravidez. O alarme foi falso. O dinheiro ali gasto, não.

“Graças a Deus!”, pensou alto Seu Bonifácio. O laboratório de sua propriedade ia de vento em popa. A demanda a cada dia aumentava, assim como os lucros e, consequentemente, a necessidade de contratar mais gente para dar conta do serviço.

“Graças a Deus!”, também pensou alto Alzira. Naquele primeiro dia no novo emprego, esforçava-se para tão logo se adequar às rotinas técnicas do laboratório. Trabalho ali não faltava.

Aquela segunda-feira não era dia de ação de graças, mas a gratidão daquelas três pessoas era contundente. E Maria Paula voltaria ali outras vezes até ouvir o ‘sim’ – e morreria alguns dias depois disso, numa clínica clandestina, após um aborto mal sucedido; Seu Bonifácio continuaria a lucrar com a promiscuidade alheia – e a ‘adorar’ essa geração ‘malhação’; e Alzira seria em breve avó – e descobriria isso ao ver a filha de 13 anos receber a notícia ali mesmo, no seu trabalho.

Tanta gratidão... E Deus não tem nada a ver com isso...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Da Frase, a Reflexão - Parte 2

“Muitas pessoas desculpam suas próprias faltas, mas julgam os outros severamente. Devemos inverter essa atitude, desculpando as falhas alheias e examinando severamente as nossas próprias”. (Paramahansa Yogananda)

Na fila do banco, o homem de 84 anos de idade se esquivava em aceitar o atendimento preferencial, já que a fila era única. Sem jeito, acabou cedendo e seguiu ao topo da fila. E deixou um relato interessante: "Quando eu tinha uns 12 anos, durante a segunda guerra mundial, furei a fila para pegar querosene. Um homem mais velho me chamou de moleque. Isso ecoa na minha cabeça até hoje", justificou-se.

72 anos depois, o homem mostrava nunca ter esquecido a lição. Procurava apontar o dedo para si antes de fazê-lo para outrem. E ainda que o fato narrado por ele não seja lá tão contundente, exemplifica bem a frase do mestre indiano Yogananda que abre esse post.

É preciso cobrar mais de si e exigir menos do outro. Compreender mais. Ceder mais. Entender que a verdadeira força está nos pequenos (e grandes) atos de amor cotidianos. Absorver a ideia de que, ao invés de julgar, podemos ser útil ao compreender e perdoar as falhas alheias, praticando um dos maiores gestos de caridade com o semelhante.

Não há dúvidas: o ser humano faria do mundo muito melhor se praticasse essa máxima. Fica aqui o convite...

sábado, 4 de setembro de 2010

Nada de Nadar em Nada

Não sair. Tirar férias. Eis que a mente um dia tornou-se algo fértil. Sobre mim pesam as palavras. Sobre a mesa pesam as toalhas. Sobremesas deixam-me com vontade de comer novamente.

Os gases comem o ar e penetram em minhas veias. O barulho corrompe o que vejo, sem deixar nenhum rastro que seja. Perturbo-me com o nada. Calo. Desligo. ‘Off’ é o que apenas quero. Nada de nadar em nada. Nada de zumbido agora. Zonzo, sinto minha cabeça mergulhar em mim, como um inseto rumo ao fim do dia.

Deixo rolar. Sinto rolar. Quero rolar. Rolo. Rolo como um rolo rolando na parede. Tinta para lá e para cá, expressando o branco que somos, enfeitando a casa como se fosse ela verdadeiramente nós. E os quartos? As salas? Os banheiros? A cozinha? Preciso arquitetar-me com maior tenacidade. Afinal, sou muito mais que estas belas paredes sem vida.

Perdi o fio. Sentado na poltrona deixo que todas as letras da minha mente invadam minhas mãos. Como numa teia, meus dedos articularam o máximo que pude. Houve perdas, sem dúvida. Mas quem não perde... Sempre?

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Duas por Minuto

Isso mesmo: a cada minuto, pelo menos duas mulheres e/ou crianças são vendidas para fins de escravidão sexual. A maioria pobre, levada para a Europa, seduzida pela ilusão de uma vida melhor ou, no caso das crianças, sequestradas ou aliciadas.

Casos não faltam. Como a da Russa Oxana, 20 anos, seduzida por uma oferta de emprego na Europa e que se suicidou após 3 semanas, quando já não aguentava mais ser escravizada sexualmente por aqueles que a enganaram. Ou da pequena Amita, que viveu o terror dos 09 aos 14 anos de idade, vivente numa jaula para ser sodomizada diariamente por dezenas de homens – Amita morreu aos 14 anos após ser agredida violentamente.

Duas por minuto. Escravidão. Subjugo. Covardia. Brutalidade. Enquanto uma minoria “exercita” o lado mais sombrio do ser humano, a maioria permanece inerte.

Duas por minuto. É preciso agir...

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Para ajuda on-line e maiores informações:

https://secure.avaaz.org/po/fight_rape_trade/?cl=524965312&v=5744

https://secure.avaaz.org/po/russia_rape_trade_putin/?r=act

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Da Frase, a Reflexão - Parte 1

“O sábio olha todo mundo como seu mestre. O ignorante considera todo mundo como seu inimigo”. (Atreya)

O mundo dos ignorantes. Eis onde vivemos. Os poucos sábios que por aqui passaram sempre deixaram a mesma mensagem. E, absortos em nossa ignorância, seguimos. Mas, pra onde realmente estamos indo? Vale a reflexão...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Morte, Intolerância e Pequenez

A cada dia, os ponteiros do relógio parecem acelerar, trazendo a impressão de que estamos chegando realmente ao fim. Teoria apocalíptica? Não...

O mundo ferve num caldeirão de intolerância. De um lado, a água invade o território paquistanês, deixando milhares de mortos e milhões de desabrigados e desalojados, enquanto a ONU patina para conseguir dinheiro das nações mais abastadas. Doutro, os ciganos sofrem sem o direito de ir e vir na Europa, especialmente na França, começando a ser ‘repatriados’. Na Alemanha os javalis, alvos da caça humana, estão contaminados pela radioatividade, o que anda ‘prejudicando’ os caçadores e industriais da carne.

Na Espanha, um touro foi abatido logo após enfrentar uma multidão e ferir dezenas de pessoas que se ‘divertiam’ numa tourada. E nos Estados Unidos, uma funcionária de um restaurante na Disney foi ameaçada de demissão apenas por ter usado o hijab (véu islâmico) no dia do Ramadão.

Paquistaneses são seres humanos e merecem nossa ajuda e atenção - ainda que o país seja instável pelas questões atômicas. Ciganos são seres humanos e têm direito a liberdade - ainda que vivam de modo próprio. Javalis e touros são seres vivos e precisam da nossa fraternidade - ainda que muitos os vejam como meras peças descartáveis de diversão e consumo. E Muçulmanos são, antes de tudo, humanos, independentemente de suas culturas e tradições.

Aqui se chega. Aqui se vive. Aqui se vai. O ser humano ainda não entendeu que tudo nesse planeta é passageiro e “emprestado” a cada um de nós. E a Terra, que deveria ser um habitat de paz sem fronteiras, vai girando cada vez mais veloz, como que numa avidez por se livrar dessa amiudada raça humana.

A cada dia, os ponteiros do relógio parecem acelerar, trazendo a impressão de que estamos chegando realmente ao fim. Teoria apocalíptica? Não...

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Em tempo: faça uma doação para as vítimas paquistanesas através da Avaaz. Clique abaixo para doar...

https://secure.avaaz.org/po/pakistan_relief_fund/?cl=712633811&v=6984

domingo, 15 de agosto de 2010

Fracasso!

O que resulta do medo? Do equívoco consciente (ou não)? Da teimosia que inibe a ousadia de tentar outra vez? Às vezes, da própria incapacidade de mudar?

O fracasso. Este que denota derrota e que camufla a força interior - sempre vitoriosa. Este que, na verdade, nem existe. Que é apenas um estágio momentâneo e necessário para mostrar que o caminho percorrido era inadequado ou que foi feito de forma equivocada.

A sensação de derrota, contudo, se esvai quando o indivíduo faz valer uma lei universal infalível: a renovação. Negar-se a chance do recomeço, seja em que esfera for, é a afirmação ilusória do fracasso.

Perpetuar isso é negar todas as possibilidades de vitória e sucesso, mesmo quando já se tentou tantas vezes. É valorizar mais os erros que os acertos. É, enfim, não se permitir novos horizontes - mesmo em terrenos já percorridos.

Coragem! Vamos em frente!

“A gente não é super herói nem super fracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso”. (Roberto Shinyashiki)


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OBS.: você deve estar se perguntando do porque da imagem que ilustra este post. A foto revela o quanto somos miúdos nesse vasto universo. Por isso mesmo, fica o recado: não desperdicemos o nosso breve tempo neste plano desistindo do êxito. Persistir é preciso...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Meu Breve Tempo Infinito

Vivo como o tempo.

Vivencio o hoje

Tal como o ontem,

Tal como o amanhã.


Vivi esse mesmo hoje

Como jamais antes vivi,

Como jamais viverei...

Apenas vivi.


Viverei meus ‘hoje’

Como sempre quis,

No andar, morrer, crescer,

No tentar ser feliz.


Como o tempo

Viajo mudando os passos

Sem, no entanto, mudar o rumo,

Somente a andar,

Somente a viver.


Sei quem sou,

Quem fui e quem serei;

Passado no presente,

Presente no futuro,

Um tempo que somente eu sei.


E com meu breve tempo infinito

Partirei sem ausência,

Ficarei na essência,

Somente como o tempo eu serei:

Passado, presente, futuro...

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A Corrida e o Paradoxo de Viver

A verdade não existe. Tudo no universo é uma questão de ponto de vista. A vida e todas as suas fases, a morte, o mistério de apenas ser... Há de se explicar o paradoxo de estar vivo, mas nada atenua minha ânsia por explicações.

Eu sou um mistério. Vagam em mim todas as respostas, mas permaneço tentando encontrá-las. Cada etapa percorrida traz-me à tona em todas as minhas ambiguidades. Minhas verdades não são verazes, apenas me impulsionam a específicos pontos de vista, estreitos olhares baseados no meu ínfimo conhecimento do que é real. E embora procure sempre sorrir com pormenores, vivo focado em mim mesmo sob esse mistério chamado realidade.

A história continua. Vejo-me rodeado por questões ambíguas e não hesito em me deixar levar pelas minhas próprias divagações. Como um piloto de corridas desafio-me a todo instante, sem esquecer de como tudo começou. Regrido e vejo as engrenagens funcionando. A máquina está pronta. Na partida, adentro com entusiasmo e ponho-me a correr. Tornamo-nos – eu e a máquina –, apenas um. E, uma vez fundido, não encontro maneiras de voltar.

A quilometragem vai se multiplicando, projetando-me em situações diversas. Cada etapa percorrida parece-me fácil, ainda que tenha encontrado inúmeros obstáculos pelo caminho. Envolvo-me em acidentes. Chego a me perder em algumas etapas por descuidos inocentes. Bato de frente comigo mesmo e com outrem. Acumulo hematomas, cicatrizes e, principalmente, aprendizado... Mas a corrida não acabou.

Segui e ainda sigo, eu e minha máquina, persistentes, virando 365 curvas para cumprir cada etapa. Cada curva, assim, é um desafio contumaz para a conquista final. E quem serão os vencedores? Os que chegarem à frente ou os que conseguirem apenas chegar? A corrida continua...

Assim é o tempo: para uns, remédio; para outros, impiedoso destruidor de sonhos; para muitos, simples armadilha necessária para o viver. Eu sou tu. Tu e eu também somos nós. Eis aí o nosso mistério mais próximo e ao mesmo tempo mais inatingível: nascer, crescer, envelhecer, morrer... O que é a vida afinal, além desse intrigante paradoxo?