domingo, 16 de outubro de 2011

Miséria



Encanto. Essa foi a palavra que melhor resumiu o primeiro encontro de Cibele e Jair, na bela Aracaju. E o alagoano não mediu esforços para se fazer muito mais do que era para a carente sergipana.

Poucos dias se passaram. Primeiro, os beijos. Depois os amassos. A cama acabou sendo destino inevitável – e porque não dizer, inconsequente: a gravidez foi uma notícia nada agradável para ela, que aos 32 anos tornar-se-ia mãe de única cria, vivente num aperto daqueles. Para ele a aventura ia continuar, passando a ser talvez a maior nos seus 18 anos de vida, ainda que o dinheiro também lhe fosse curto.

Não tardou para que as brigas começassem. Primeiro sintoma de desequilíbrio, elas refletiam a contraditória união de necessidade e imaturidade, combinação nada feliz naquele contexto amoroso. O fogo da paixão que os arrebatara fora cedendo com o tempo, ante as diferenças outrora ignoradas. A relação, assim, foi-se amiudando e se espremendo entre aqueles corações desgovernados.

De crise em crise, o pequeno Lucas nasceu já sem pai. Jair nunca mais deu as caras. Sem emprego, dinheiro nem apoio, Cibele passou a pedir nas ruas, levando consigo seu bebê. Sentiram fome. Dor. Abandono. E o passar do tempo a fez sucumbir...


Quem vai julgar uma mãe que dá o próprio filho? Quem vai acusar uma mulher que tira a própria vida? Quem, em seu lugar, não se entregaria à miséria? Quem???

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Efeito Estufa


O mundo estava um caos. Desordem reinante espelhada no tráfego intenso, engarrafado, sufocante. O termômetro, no imenso painel eletrônico localizado numa das esquinas, revelava trinta e sete graus. O calor só aumentava a sensação de agonia.

A longa avenida, que cortava casas e prédios, parecia um mar de carros. Ao longe se percebia um vapor que subia do solo e causava sensações de inquietação. Era um caldeirão fervente que em nada agradava a quem ali se encontrava. O vento, escasso, decidiu também parar e o clima foi ficando ainda mais insípido. Até as árvores, acostumadas a bailar em público, se renderam ao destempero do momento.

Alguém, então, decidiu utilizar a buzina como ferramenta de pressão sonora. E o barulho, que já era grande, ficou insuportável devido a participação de vários outros motoristas, que passaram a reger uma orquestra infernal. O que estava lento passou a ficar definitivamente emperrado. Uma multidão de veículos ligados, a poluir o ar e os ouvidos dos transeuntes, abrigando gente estressada e fatigada sob um sol escaldante.

Nos escritórios e lojas, que dividiam espaço com as residências no imenso logradouro, o caos se espalhou: uma pane na energia elétrica fez com que os funcionários saíssem de seus postos. Toda a região ficou sem energia e o engarrafamento ganhou novos adeptos, pelo menos no que tangia ao fomento da conturbação. Nesse ínterim, a temperatura subiu para quarenta graus e o calor se intensificou com rara astúcia. E havia quem dissesse que o clima na avenida era ainda maior.

A agitação ganhou intensidade quando alguém decidiu descer do carro. Entre esbravejos e gestos incontidos, logo a atitude solitária foi ganhando simpatizantes. Além do engarrafamento, do calor, das buzinas e da poluição, agora todos se deleitavam também com o burburinho, que começou a gerar discussões. Palavrões foram proferidos. A educação tomou distância e um tumulto isolado ajudou a amplificar a desordem.

Nas calçadas, um público cada vez maior acompanhava o desarrumo. Mais que isso, muitos passaram a compartilhar daquele sentimento de revolta, insatisfação plena por somente estar ali. E um ambiente negativo, progressivamente, passou a predominar, ocasionando confrontos verbais acirrados que não tardaram em materializar-se em isolados atos de pancadaria. Cada um que quisesse resolver as coisas da própria maneira, sem perceber que em nada aquele quadro se modificava.

No auge do esperdício humano, um vento frio soprou com intensidade. A rajada invadiu toda a área e produziu de imediato um inesperado processo de inanição. Quem brigando estava parou; quem discutia perdeu a fala; quem acionava a buzinava viu a força se esvair; e todos se entreolharam, naquelas frações de segundos, com uma profunda sensação de estranheza, um medo instintivo do pior.

Mas o vento logo cessou. O tempo também. Todos permaneceram imóveis, sem reação ante aquele incomum deslocamento de ar. O calor persistiu, impetuoso. No céu, um bando de pássaros cruzou o azul em direção ao norte. As pessoas, emudecidas, retornaram aos seus carros, casas e empresas, encerrando o caos de forma também imprevisível. O misterioso sopro do desconhecido agiu com destreza. E o trânsito, enfim, foi se desfazendo aos poucos...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Implacável



Ela abriu a porta
E foi embora.
Varreu em segundos
A minha vida.
Quebrou. Estremeceu. Zuniu.

Destelhou meu teto
E se foi.
Demoliu em segundos
As minhas pilastras.
Amaldiçoou. Triturou. Sumiu.

Ainda despedaçou meu chão
E partiu.
Dilacerou em segundos
As minhas estradas.
Correu. Pisoteou. Fugiu.

Ela...
Ventania...

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Entre o Nascer e o Morrer

“Gostaria de dizer-vos mil coisas que compreendo, estando à porta da eternidade, mas eu não morro, entro na vida, e tudo o que não vos posso dizer neste mundo, far-vos-ei compreender do alto dos céus...”. (Santa Teresinha)



Nascimento e morte são as únicas certezas da vida. Pessoas chegam, pessoas vão. Chegadas e partidas controladas pelas mãos invisíveis do infinito. E esse ir e vir realça a efemeridade da vida humana nesse planeta chamado Terra.

A certeza na imortalidade da alma é contraponto ante ao estado ilusório da matéria. A vida terrena é, sim, uma ilusão. Estamos de passagem. Aqui chegamos e, daqui, voltamos pra casa, para a verdadeira vida. A ilusão da matéria causa cegueira, travestindo a real percepção de que somos espírito, alma – e não um frágil e destrutível corpo de carne.

Enquanto vivos, somos ludibriados pelos sentidos. As sensações são o estado supremo da ilusão. Prazer e dor envolvem o ser humano como se fossem reais. E não são. O mestre indiano Paramahansa Yogananda costumava se referir à vida humana como um “filme cósmico”. Aqui chegamos como atores para interpretar papéis dos mais diversos, até que encontramos Deus, o grande Diretor – e Ele não está em outro lugar senão dentro de cada ser.

O equilíbrio, assim, é a meta. Ser comedido nos momentos de alegria e de tristeza é receita infalível ante a ilusão sensorial. Vida e Morte não existem. Apenas somos. E nos momentos mais difíceis é que precisamos dessa compreensão.

Entre o nascer e o morrer há o tempo. Coisa nossa. Passageira, mas que nos proporciona a ideia de que é preciso, sim, crescer. Ser mais. Evoluir. Amar. A saudade dos que ‘voltaram pra casa’ torna-se, então, algo saudável ante a certeza da vida eterna – e do reencontro.

Esse texto é dedicado a todos aqueles que passam por situações difíceis em todos os rincões do mundo. É, também, mais uma tentativa pessoal de absorver essa filosofia tão real e ainda tão difícil. É, acima de tudo, a minha sincera homenagem à família Nicéas pela tragédia acontecida nesse final de semana em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Que Deus nos abençoe, hoje e sempre...


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“Para cada um virá um tempo em que perceberá que todo o universo foi um sonho: quando descobrirmos que a alma é infinitamente melhor do que o que a cerca. É apenas uma questão de tempo, e o tempo nada é diante do infinito”. (Shirdi Sai Baba)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

'Os Donos da Rua' Novamente em Foco

Imagem: RICARDO
FERNANDES/DP/D.A PRESS

A atuação de flanelinhas nas ruas do Recife foi assunto aqui no Blog, em 05 de junho de 2009 (leia: "Os Donos da Rua" - Especial Trânsito - Parte 1). Agora, virou foco das autoridades. Foi preciso uma prisão e uma polêmica na mídia para que as autoridades enxergassem o que todo mundo sempre viu.

A prisão do flanelinha Fabrício de Souza (foto), 21 anos, essa semana no Recife Antigo, foi oportuna para trazer à tona o assunto (ainda que represente de certa forma uma distorção, já que não existem indícios seguros da pretensa extorsão, nem ficaram esclarecidos os possíveis excessos do policial - e também levantou aquela questão de que somente "pretos e pobres" vão pra cadeia). Agora estão querendo normatizar essa atuação. Agora "descobriram" que alguns agentes de trânsito "comem toco". Agora todos decidiram tomar uma atitude - bom, antes tarde do que nunca.

Nos sites que trataram do assunto durante a semana, a maioria esmagadora dos comentários apoiavam a prisão de Fabrício. Em sua grande maioria, pessoas com melhor poder aquisitivo e que desconhecem a realidade das ruas. O flanelinha pode, sim, ter agido mal. Mas quem garante que o policial que o abordou também não passou dos limites? E a situação social do rapaz? E a família dele? Prendê-lo dessa forma resolverá a questão?

Conheço alguns flanelinhas que são íntegros. Não ameaçam. Não extorquem. Ganham a vida de modo limpo. Já tive o desprazer de topar com outros que são exatamente o contrário - basta tentar estacionar no entorno da Rua das Pernambucanas, no Bairro das Graças, para ter um exemplo evidente disso (em dias de grandes eventos na cidade, então, nem se fala).

Há um imenso abismo social por trás de tais questões e uma necessidade premente de corrigir as distorções vigentes. É preciso abandonar os esteriótipos e se aprofundar nas questões mais delicadas da nossa sociedade, se é que queremos transformar a realidade que nos cerca. Esse deve ser o foco.

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EM TEMPO: na tarde de hoje, o flanelinha Fabrício de Souza teve sua prisão relaxada. Ele está solto. Mas as questões continuam...

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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

João, Parauapebas e Suzete


João é um cara arretado. Recifense nascido no Morro, negro, pobre, filho de uma honrada empregada doméstica, cheio de irmãos e um coração daqueles, enorme, refletido num sorriso que lhe é peculiar. Homem de caráter reto, está crescendo na vida através do estudo e do esforço no caminho da honestidade.

Parauapebas é uma pequena cidade do Pará, localizada há 700 quilômetros da capital Belém. O local tem recebido uma massa de trabalhadores oriunda de várias regiões, atraída pela oferta de emprego. São grandes empresas explorando o rico solo da região, fazendo crescer as oportunidades e, principalmente, os próprios lucros.

João chegou a Parauapebas por vias profissionais. Após obter bom desempenho numa multinacional – que o levou inicialmente ao sul do país –, foi transferido para a cidade paraense a fim de atrair novas possibilidades para a empresa. Ele não precisava tanto de Parauapebas, mas ela, sim, precisava muito dele. E foi numa noite de lua nova que ele descobriu isso.

- O mundo é do dinheiro, o senhor sabe.

Falou mansamente o Sr. Antônio, que bateu à sua porta por volta das 19 horas.

- Não entendi, Seu Antônio.

- Tá vendo aquela moça ali, Seu João? É Suzete, minha filha. Tem só 17 aninhos e já sabe o que quer da vida.

João permaneceu a ouvir. Seu Antônio continuou.

- A gente pode fazer negócio, doutor. A filha é minha, mas eu posso dar ela pro senhor. A gente negocia dois salários por mês, coisa e tal, e ela pode se casar com o senhor ou sei lá mais o quê...

O sorriso, que sempre foi uma constante, desapareceu do rosto daquele nobre cidadão. A realidade se confundiu na sua cabeça e o olhar para a bela morena o fez reagir.

- O senhor pára logo por aí. Não pense que eu sou como muitos dos canalhas que chegam aqui para explorar vocês. O senhor não tem vergonha de ‘vender’ a sua filha não? Pois bem! Acho melhor o senhor sair já daqui!

Seu Antônio emudeceu. Estranhando a atitude “daquele negrinho metido a besta”, deu as costas e se foi, levando com ele a filha e um pedaço da esperança que sempre foi vivente no agora decepcionado homem.

A história de João se cruzou com a de Suzete numa pequena cidade do Pará. A realidade é mesmo dura. Parauapebas poderia ter acordado no dia seguinte com mais uma ocorrência de descaso familiar. Mas João é mesmo um cara arretado. E Parauapebas continua precisando muito dele.


* Essa é uma história verídica, cujos nomes foram modificados. Uma triste realidade em várias cidades brasileiras...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Fabuloso Diálogo Entre a Senhorita Liberdade e o Senhor das Palavras


Era uma manhã sombria. O mundo fervia há milênios...

Foi quando um fenômeno inédito rasgou os cinzentos céus do planeta Terra. Uma fenda iluminada se abriu. Imagem extasiante, mas que passou incólume a toda cega humanidade. Bom, a quase toda ela, pois eu, sim, a tudo vi. Foi como se o tempo tivesse cedido a tão extraordinário fato. E enquanto olhava àquilo tudo impressionado, percebi então o fabuloso diálogo...

- Senhorita Liberdade, sou o Senhor das Palavras! Aquele que sempre tenta bailar junto a ti, na ânsia de descrever-te. Mas... Como definir-te? Sigo unindo letras, a tentar decifrar-te. Donde vens? Quem és? Como chegaste até aqui?

- Sou a Senhorita Liberdade, como bem disseste. O que queres tu de mim? Deixas-me bailar! Não me venhas tolher com tuas vãs divagações gramaticais!

- Palavras sou. Palavras escrevo. Palavras que se soltam de mim. Palavras que se perdem no afã de saber apenas quem és.

- És hábil com elas, reconheço. Contudo, cuidado! Sabes mesmo utilizá-las até mim?

- Sim! Sou o Senhor das Palavras! Aquele que busca a redação. Eu, que me encontrava um tanto dicionário. Eu, que não esperava encontrar-te assim, tão visível em mim. Palavras vêm e vão. Preciso de ti para seguir adiante! Em que página estamos?

- Nas páginas do incontido, Senhor! Em mim nada se aprisiona. No éter do espaço imensurável vivo, provocando apenas os ousados seres que acabam por me enxergar ante tanta cegueira. Senhor das Palavras, podes ser perigoso! Palavras livres, livres palavras... Quem te segura?

- Nunca dancei. E agora me pego a bailar contigo. Liberdade e palavras, nós, tão distantes e tão próximos, ora escritos, ora verbais, ainda incógnitos. Como poderei definir-te se jamais a tive?

- Palavras são cegas. Os homens também. Permeio a tudo e ainda assim tão ignorada sou. Cuidado com as tuas palavras, Senhor! Muito mal já se foi feito com elas!

- Liberdade... Quem te alcança???

O diálogo se encerrou. A fenda se fechou. O céu novamente descoloriu. O tempo retomou seu lugar, implacável. A cegueira humana persistiu. E eis que aqui vos encontrais. Resultados disso tudo. Apalavrados. Prisioneiros das vossas próprias armadilhas. Humanas palavras presas no dicionário da vida.

Quem sou? Chamo-me esperança. E cá estou, livre, mas aprisionado em vossas próprias divagações.

As manhãs permanecem sombrias. O mundo ferve há milênios...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Fraternos


O que é o querer
Senão o desejo de estar perto
De ajudar, doar, servir
De apenas ser?

O que é o amor
Senão o senhor do querer
O objetivo a alcançar
A meta de cada ser?

E o que somos nós
Senão dois em um ser
Querentes, amados, fraternos
Experienciando o viver?

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Homem da Cadeira

(Mais um conto da série "Teoria Sobre o Caos")



O mar estava seco. Mais de meio-dia e o sol continuava vigoroso. Um público até certo ponto pequeno curtia aquele sábado comum.

À minha frente um homem postado estava, face para o mar. Sentado em sua cadeira de praia, ficou adiante dos guarda-sóis, com os pés próximos à água. Um senhor de meia idade, aparentando uns cinquenta e poucos anos, a dividir sua solidão com os despreocupados transeuntes. O que se passava em sua mente?

Ao contrário dos ocultos pensamentos, seu olhar não passava incólume a mim, deixando entrever a avidez da própria mente. E a presença de crianças no local, a brincar na beira da praia, passou a me deixar intrigado quanto aos objetivos daquela desconhecida figura.

Enquanto eu me pegava numa desconfiança inoportuna, passei a ouvir alguns comentários um tanto maliciosos, provindos de duas mulheres que próximas a mim estavam:

- Estranho aquele velho ali, não acha?

- Qual? O homem da cadeira?

- Hum, hum...

- E não é, menina? Desde hoje percebo suas atitudes. Olha a cara de satisfação dele em relação aquelas crianças... Sei não, viu?

- Estou de olho nele!

Tentei mudar o foco. Vi um pequeno bando de pombos pousar na areia, próximo a mim. Distraí-me. E minha abstração só foi interrompida pela lembrança repentina do solitário homem. Meu instintivo olhar colidiu com o dele. Entreolhamo-nos, sem querer, mas mantive-me firme no propósito de encará-lo e, assim, causar intimidação. Entretanto, o dito cidadão ignorou-me sem pestanejar. Foi quando duas garotinhas dele se aproximaram, provocando novos comentários das mesmas mulheres que próximas a mim se encontravam:

- Olha lá: o velho tarado está se insinuando para aquelas meninas, olha!

- Será que ele é parente delas?

- Que nada! E se fosse não faria a menor diferença. São tantos casos de pedofilia dentro do próprio lar, minha filha, que dá até nojo!

- Eita! Agora ele está comprando picolé para elas!

- Ai, meu Deus! Vamos ficar de olho!

Senti-me aflito. Agora, o denominado ‘homem da cadeira’ teria também a mim, definitivamente, em seu encalço. A insegurança que habitava aquelas duas mulheres ganhava em meu ser igual abrigo. Mantive-me, assim, em total alerta.

As garotinhas saborearam o picolé sob fixos olhares do homem. Ele direcionou os olhos aos arredores, deixando entrever a mim a própria insegurança, e pôs uma das meninas no colo. Detive-me em seus gestos comedidos e nas posturas das duas crianças. Os comentários das mulheres se intensificaram, passando inclusive a ganhar novos adeptos. Imediatamente, pensei em abordar o sujeito, afinal, alguém haveria de fazer algo.

Antes que pudesse eu exercer qualquer reação, vi uma moça aproximar-se do homem. Um tanto nervosa, ela gesticulava de forma incontida, revelando aos meus olhos a insatisfação de uma mãe injuriada ante as investidas do homem sobre suas filhas. Não hesitei em ir ao encontro deles. Levantei-me e, sob os atentos olhares das inquietas mulheres que outrora criticavam, abordei-os:

- Algum problema, senhora? – perguntei num firme tom de voz. E antes que ela me respondesse, o homem interveio.

- O que você tem a ver com isso?

- Como é?! Estou lhe observando de longe! Não pense que vai escapar dessa! – falei deixando minha raiva extravasar, quando a moça interrompeu-me incisivamente:

- O que é isso, rapaz! Deixe meu pai em paz!

Fiquei estático. E nesse exato instante, uma mulher vestida de branco se aproximou com uma cadeira de rodas especial. Enquanto ela ajudava o homem a sentar, as duas meninas suplicavam à mãe:

- Não briga com o vô não, mamãe! Foi a gente que pediu pra ele nos trazer pra cá. Fica brava com ele não...

- Está bem... Está bem... Mas não façam mais isso comigo! E isso inclui principalmente você, dona Rose! - falou dirigindo-se à enfermeira. - Vamos, pai. Vamos todos para casa...

O homem passou por mim, empurrado na cadeira de rodas, e dirigiu-me um olhar fulminante. O seu silêncio foi-me mais forte que qualquer outra reação. Desconcertado, recuei atônito. Sentei novamente na minha cadeira, com uma inevitável sensação de mal-estar. As duas mulheres ainda tiveram a ousadia de me perguntar o que havia acontecido. Respondi aborrecido:

- Ora! Lavem suas línguas com sabão!!!

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Reticências

.
A falta da tua presença
Ausência
Incompletude de mim
Eu sem você... sem mim.

O vazio revela
Oco que me diz
Se hoje assim estou
Era sim... feliz.

Perdi-me em ti
Cegueira muda
Surdez inodora
Idiotia... sem fim.

O passado passou
O presente está aqui
O futuro, incerto
Reticências... em mim...


#


E eis que o mundo gira. O tempo passa. E o amor continua sendo confundido. Ao menos ficam as sensações. As letras. Os versos. A poesia... Viva os poetas, então!